A paciência e a urgência
Alguns anos atrás, quando ensaiava a aventura da alfabetização na Suíça, visitei uma pobre biblioteca de uma das minhas vizinhas. Ela era alemã e, por consequência de traumas infantis, sempre roubava os sachês de açúcar dos cafés que frequentava, nunca se sabe, dizia. Não consigo lembrar seu nome e nem vou me esforçar – que eu estou de férias no modo mínimo esforço –, lembro que ela usava pouca roupa pra se proteger do frio e nunca acendia sua calefação dois dias seguidos, nunca se sabe, dizia sempre. Um dia me pegou curiando suas estantes e com um aceno de cabeça e um beiço esticado me disse, pegue o que quiser, se ainda houver algo interessante para ser lido em francês.
A maior parte do acervo eram livros didáticos, em alemão, francês e outros que podiam ser de dinamarquês a tcheco, quem sabe? Mas aqui e acolá tinha algum livro de bolso que podia me salvar uma tarde, ou uma semana, dependendo da dificuldade empenhada pelo autor na linguagem. Aprender francês foi uma das piores e melhores coisas que já me aconteceu. Ler meu primeiro livro naquela língua, que eu achei que me deixaria louca antes dos trinta, foi um retorno à infância – se você tiver a chance de aprender a ler de novo, faça, mas escute, só vá pro francês em caso extremamente necessário.
Lembro de um livrinho meio interessante, meio pedante – como quase tudo o que aquela gente faz – cujo jogo empregado pelo autor foi a brincadeira entre a urgência e a paciência*. Não terminei de ler. Numa certa altura o cara me parecia tão obcecado em descrever seu processo de criação que ele me pareceu pouco criativo. Acho que me entediei e larguei. Ou algo assim, não lembro muito bem. O negócio é que andei pensando nisso estes dias.
[Continua...]