Crônica

As proezas de Quino

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As proezas de Quino

Sábado à tarde, auge da pandemia de covid-19, eu sedimentada no sofá da sala, olhando o sol que refletia no teto, depois de ter refletido o vidro da janela do vizinho da frente.  Pâm no escritório, trabalhando. Perambulo até ela, decidida: quero adotar um cachorrinho, vamos? Ela titubeia, nunca teve cachorro em apartamento. Sente pena de ver os bichinhos presos, sem autonomia para sair, ir e vir. Eu também tinha dó. Mas alguém precisava alterar meu circuito fechado do sofá para o computador, do computador para a cama – embora estivesse certa, não sei exatamente por que me ocorreu que um cachorro realizaria essa proeza. Insisti, apostando nessa intuição: iriamos mobilizar nosso cotidiano para sair duas vezes por dia com o cão, um cocô pela manhã e outro à tardinha. Assim, nem ele, nem nós, ficaríamos prostradas, embolorado os cantos da casa. Pâm hesita, mas sinto que uma barreira se esvai quando digo que a convivência com o bichinho talvez fizesse bem para o meu humor, que andava, digamos, um tanto canicular. 

Ciente de que a rabugice havia se convertido em meu grande trunfo persuasivo, parti para a sedução via enternecimento. Imediatamente comecei a percorrer as páginas de redes sociais de inúmeras ONGs de proteção e adoção de cães e gatos. Dentro de quinze minutos, meu celular fervia de fotos de filhotinhos de cachorro fofíssimos, porém com patas que prometiam adultos mais pesados do que nós duas. Selecionei algumas fotos, aquelas dos cãezinhos cujo tamanho era mais compatível com a nossa casa e que já eram adultos – a protetora de animais que me orientava sugeriu que às iniciantes os filhotes poderiam exigir cuidados e pedagogias bastante assoberbantes. Com tanta tragédia acontecendo, eu queria mais era me assoberbar com titica de cachorro, coleiras antipulgas e vermífugos. Mas me contive. Apresentei à Pâm uns cinco ou seis cusquinhos e cusquinhas (traduzindo: guaipecas, vira-latas, de pequeno porte). Ela estava desconfiada de que aquelas fotos eram montagens e de que aqueles cães estavam ali apenas figurando para os verdadeiros adotáveis: mestiços de qualquer variedade canina com São Bernardo ou dog alemão, todos com olhos suplicantes que nos inculcariam culpas avassaladoras só de pensarmos em rejeitá-los. Ela alucinava – era a indecisão, eu sabia – mas vai que estivesse certa: seria o cão ou eu. E eu não teria olhos suplicantes à altura para garantir meu lugar no sofá.

[Continua...]

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