Casa Nova II: Sangue ruim
Tenho vários problemas genéticos. Um dos piores é a tendência de querer fugir sempre que não sei explicar o que sinto. Meu pai fazia isso. Minha mãe seguia meu pai, então de alguma maneira ela também fugia. Sinto muitas coisas que não sei nomear. Algumas vezes porque são sensações novas, outras deve ser um estado de negação, mas geralmente é pela mistura.
Um dia, andando boquiaberta pela biblioteca de uma amiga geóloga, escutava ela falar daquelas rochas, mistura de várias substâncias químicas que meus olhos leigos só conseguiam achar lindo. Tudo era lindo daquele jeito disforme e mesclado. O planeta numa palma da mão. Geralmente meus sentimentos são assim, meio medo, meio alegria, raiva, amor, tédio, mais expectativa e saudade, tudo junto. Um planeta entre o queixo e o ventre.
Essa semana eu quis fugir. Motivo bobo. Casa nova, tudo pronto. Bateu um desespero. A Marinês se esforçou no processo. ‘‘Vintage’’, dizia, ‘‘é a maneira de misturar o conforto das lembranças de casa de vó numa releitura moderna’’. Faz sentido, pensei, ninguém poderia duvidar da minha idade e bom gosto. Mas não teve jeito. Percebi rápido que não sou vintage, moderna, rococo, nem retrô. No fim das contas, não sei como, minha casa ficou a ‘‘minha cara’’, na opinião de umas amigas.
Aquilo me deu vontade de sair correndo. ‘‘Minha cara?!” Pior, ‘‘minha casa’?!” O que isso quer dizer?
[Continua...]