Crônica

Contracultura

Change Size Text
Contracultura Pôster do filme Betty Blue: "O cinema foi um dos principais territórios que ressignificamos" / crédito: Reprodução
Sinto uma falta danada de mais transgressão em nossas vidas. Qual foi a última vez que você mudou de ideia porque uma nova compreensão aposentou a convicção que você nutria até ontem? Esses dias uma amiga postou uma foto do cartaz de Betty Blue, filme de Jean-Jacques Beineix (37°2 le matin, no charmoso original em francês). O filme, de 1986, chegou no Brasil dois anos depois de lançado, como era comum naquela época. E fez algum sucesso no circuito de filmes de arte. A trilha, composta por Gabriel Yared, também foi bem cultuada entre nós. Minha amiga Eliane Jover e eu entramos na faculdade de Comunicação em 1988. E, aos 17 ou 18 anos (desculpa, querida, revelar assim sua idade), nos deparamos com um novo mundo. Adulto. Pós-moderno. E fin de siécle.  Esse era o ambiente, filosófico e estético, que encontramos ali. O fim dos anos 80 carregou muito mais o sentimento soturno do apagar das luzes do século 20 do que propriamente o fim dos anos 90, que foi absolutamente festivo na celebração pela chegada do século 21. Havia muita informação interessante à nossa frente. A semiótica de Roland Barthes. As vanguardas artísticas – do dadaísmo à body art. As performances de Laurie Anderson. Gente interessante cruzava pelos corredores lendo Duna, ouvindo Miles Davis e discutindo Blade Runner e Laranja Mecânica.  Eliane e eu, além de alguns outros bons amigos, mergulhamos naquela toca do coelho de Alice, cheia de referências pop que nos arrancavam a fórceps da adolescência.  Se fôssemos fazer um documentário daquele finzinho de década, talvez a trilha tivesse que ser o synth pop de New Order e Depeche Mode. E talvez a cinematografia tivesse que expressar a cultura gay, que começava a sair de vez do armário e a emprestar um pouco mais de sofisticação e ousadia ao mundo. Éramos meninos e meninas – e, nós, os calouros entre eles – que sonhavam em escrever e dirigir filmes e comerciais, em publicar livros e reportagens, em trabalhar em TV ou como diretores de Arte. Muitos expressavam essa sanha criativa no jeito de vestir, de cortar os cabelos, de escolher acessórios. Era bacana – e provocador – circular por ali. O cinema foi um dos principais territórios que ressignificamos com aquela imersão dupla – numa escola de Comunicação e na maioridade (intelectual, inclusive). Havia as sessões da meia-noite no cine ABC. Assisti ali a O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante, de Peter Greenway. Sexo, Mentiras e Videotape, de Steven Soderbergh. E Bagdad Café, de Percy Adlon. Na Casa de Cultura Mario Quintana assisti a Manon des Sources, de Claude Berri. O Castelo de Minha Mãe, de Yves Robert. O Declínio do Império Americano, de Denys Arcand. No Cine Sesc assisti a O Ilusionista, de Jos Stelling. Delicatessen, de Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro. E Minha Adorável Lavanderia, de Stephen Frears. No meio de uma tarde qualquer assisti, na companhia de Luis Fernando Verissimo e sua mulher, numa sala praticamente vazia, a Barton Fink, dos […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.