Crônica

Madrugadas com Tom

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Madrugadas com Tom

* Texto de 25 de janeiro de 2020

Acordei de sobressalto, um pouco antes das 5:00, lembrando que fiquei de escrever um texto sobre Antônio Carlos Jobim, por encomenda do Luís Augusto Fischer.

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* Texto de 25 de janeiro de 2020

Acordei de sobressalto, um pouco antes das 5:00, lembrando que fiquei de escrever um texto sobre Antônio Carlos Jobim, por encomenda do Luís Augusto Fischer.

Hoje, Tom estaria completando 94 anos. Faz quase um quarto de século que nos deixou. No dia 8 de dezembro de 1994, eu estava com três amigos franceses no bar Garota de Ipanema, no Rio, onde foi composta a célebre bossa canção de Tom e Vinicius, quando deu no rádio a notícia da morte do maestro soberano. 

No dia seguinte, eu voltei para Porto Alegre, onde morava na época, mas meus amigos franceses compareceram ao sepultamento. Assim como muitos outros não brasileiros, eles haviam conhecido a nossa cultura e se interessaram pelo Brasil através da música do Tom. E ficamos todos tristes e chocados de receber aquela notícia em um lugar tão significativo. 

Esse grande artista pavimentou as vias para que eu e muitos outros músicos brasileiros fizéssemos carreira no estrangeiro. Tom Jobim certa vez falou que a saída para a música brasileira era o Galeão, e acabaram rebatizando o aeroporto do Rio com seu nome.

Conheci parte da obra de Tom quando era criança, na eletrola dos meus pais, onde também tocava João Gilberto, Elizeth Cardoso, Paixão Côrtes e Beethoven.  Anos mais tarde, chegariam Roberto Carlos, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, mas, até então, para mim, tudo era música de São Gabriel. Todas as coisas do mundo estavam identificadas com minha cidade natal, que era só o que eu conhecia. Aquele céu azul, de uma intensidade ímpar, abrigava todos os seres e coisas que eu ia descobrindo e aprendendo. Talvez encontrasse Tom na padaria ou no Wólmer, que era a única papelaria da cidade.

Mas, nesse caso, não estava tão errado assim. O pai de Tom Jobim, Jorge de Oliveira Jobim, era gabrielense, e dizem que ele e sua esposa teriam passado a páscoa de 1926 em São Gabriel. Naquela época de raros aviões, essas viagens costumavam durar em torno de um mês, portanto Tom teria sido concebido na minha cidade natal. E ele andou por lá ao menos uma vez e até mencionou o Batovi, um restaurante que existe na entrada da cidade. Quem sabe não era realmente o Tom comprando caderno e canetas numa tarde de inverno chuvoso?

Aos treze anos, ganhei meu primeiro violão, mas na primeira fase de aprendizado não tocava nada da Bossa Nova, era muito complicado. Com o tempo, fui incorporando novos acordes e acabei me debruçando sobre a obra do Tom. É inevitável para um músico brasileiro que queira se desenvolver como compositor, que, em algum momento, passe pelas músicas dele. Cada canção é uma aula de harmonia e sensibilidade. 

Em 1987, me mudei para o Rio de Janeiro. Sabia que o Tom era habitué da churrascaria Plataforma, no Leblon, mas eu sempre andava muito duro na época e não podia frequentar aquele lugar e nem saberia o que dizer se o encontrasse. Mas, certa vez, estava com uns pilas no bolso, tomei coragem e entrei, mas ele estava em Nova Iorque, segundo me disse um garçom.

O que eu diria se o encontrasse? Não sei. Que era de São Gabriel, que penso tê-lo visto no Wólmer em um inverno dos anos 1960, talvez puxasse o papo por aí. O fato é que esse encontro nunca aconteceu, pelo menos aqui, no mundo concreto.

Mas, dias atrás, recebi a visita de Tom em um sonho. Ele estava tocando “Eu Te Amo”, parceria com Chico Buarque, e esqueceu um pedaço da letra. Então me ofereci para cantar. Ele perguntou como eu sabia toda letra de cor. Respondi que sabia tocar e cantar quase todas as suas músicas. Ele perguntou o motivo. Respondi que, além de gostar muito de toda sua obra, quando comecei a compor quis aprender as suas músicas, pois era uma grande escola. Ele vibrou e abriu um vinho branco para brindarmos.

Era um sonho muito real, e gosto de imaginar que encontrei esse ser de luz em outra dimensão. 

Às vezes em que toquei no seu piano, na casa do querido amigo Daniel Jobim, seu neto, que herdou o instrumento, parecia que meus dedos eram conduzidos. Existe magia naquele piano, deixada pelos toques do grande mestre. 

Relembrando agora o sonho que tive com Tom, me dei conta de que esqueci de falar no Wólmer. São 5:34, agora. Vou voltar a dormir para ver se surge outra oportunidade.


Antonio Villeroy, cantautor e produtor musical.
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