Crônica

Não tô nada

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Não tô nada Ilustração de Hideki Yassuda
Como cantou a sagrada Valesca Popozuda, ‘‘Eu tô solteira de novo’’. E de que jeito? ‘‘Daquele jeito!’’ O único que existe: descabelada, fedendo e procurando álcool em tudo que é embalagem líquida dentro de casa. Eu falei solteira e vocês já pensaram em putaria. Mas quem é que tá feliz aqui? Aliás, há dias que só consigo rir pra fingir dormência após piadinha de babaca – que ando sem saco de ser anti qualquer coisa – ou de nervoso político-emocional.  Eu venho através desta reivindicar a licença temporária de status civil para recém desenamorados e afins. Sim. Proponho uma sala de espera onde eu exerça o direito simples e cidadão de quando levantarem aquela pergunta ordinária, ‘‘Tá namorando?’’, eu possa mostrar o cartão de isenção e pular de casa nesse jogo da vida. Caralho, meo! Já não basta eu ter que passar o dia trabalhando, estudando, lavando louça, escutando o coro interno de todas as outras eus querendo euforia, loucura e a amnésia de entorpecentes. Já não basta o cansaço que é terminar uma relação e ficar respirando o ar de fuligem que fica dentro de casa… Não! Ainda tem essa pressão social de, se você é uma mulher de verdade, independente e bem resolvida, então não sofre de amor. Quem foi que disse? Quando foi que sofrer de amor virou motivo de cassação de carteirinha de feminista? Porra! Eu tinha entendido que o feminismo vinha pra libertar a gente. Desculpa, devo ter faltado alguma reunião ou fumado alguma página do meu manual. Não é porque eu terminei mais um relacionamento fadado ao fim – pois insisto nos humanos – que eu tenha que já estar solteira balançando minha raba. Reivindico meu indulto de não estar nada. Quero meu direito de chorar escutando samba, de jogar palavrão ao léu, de ser incoerente, de fazer planos de dia que desfaço à noite. Me deixem sofrer em paz e descansem seus ossinhos e fígados, que, quando eu superar, não quero ninguém reclamando cadeira, copo d’água, nem colo de mamãe, seus putos! Nathallia Protazio é pernambucana, farmacêutica e escritora. Já morou em muitos lugares, incluindo São Paulo e Lausanne, Suíça. Hoje vive em Porto Alegre/RS, onde se divide entre crônicas, mestrado em psicologia social, edição da Revista Parêntese e os bares da Cidade Baixa. Seu primeiro título ”Aqui dentro” (Venas Abiertas, 2020).

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