Crônica

O preço da cerveja

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O preço da cerveja Sabe quando você olha uma imagem e não consegue identificar o que é até alguém te dizer e pimba! Você não consegue mais não ver aquilo. Parece feitiço: uma vez identificada a imagem, não importa o esforço que se faça para não ver o que foi visto, não adianta. A ignorância é perdida pra sempre de uma só vez. É um fato. Não tenho muita certeza, mas os vestígios de lembranças da infância e os relatos coletados de pessoas conhecidas corroboram a tese de que eu nasci feminista – para desespero do meu pai. Se não nasci com o gene já expresso, ele desabrochou muito cedo, sendo hoje impossível de identificar o início. Por isso hoje eu não consigo me lembrar de uma época na qual eu não acreditasse que todas as pessoas têm o direito de ter as mesmas coisas. Antes eu não chamava isso de feminismo, eu achava que era só uma lógica normal. Somos todos humanos, portanto podemos ter todos as mesmas coisas. Sim, eu também nasci com o gene da ingenuidade, e este me dá tanto trabalho quanto o outro. Devo defender o quão necessária é uma pequena dose de ingenuidade para viver neste mundo. Não conseguiria estudar, trabalhar, ler, se não fosse sob um véu ingênuo de crer que meu tempo pode resultar num mundo melhor. A ingenuidade pode ser útil, se utilizada como combustível de motivação para caminharmos em direção àquele horizonte chamado utopia. Mas, convenhamos, passei a adolescência em São Paulo, não se sai ilesa disso. Trouxe mais coisas na mochila, como cansaço, desconfiança e ironia. Tenho a péssima mania de julgar todos culpados antes de dar uma chance de provarem o contrário. Não é pra menos, o sistema tá aí, cai quem quer! Como eu não sou boba nem nada, corro atrás do meu. Início de junho, feriado chegando já chorei no ouvido do chefe e deu certo. Quatro dias em casa pra descansar, graças ao Corpus Christi. Inverno aqui no sul naquele friozinho, pandemia bombando, imaginei a praia vazia, ou ia este finde ou só ano que vem. Dito e feito. Eu, Marcela, o Namorado e a Amiga dela. Passamos o dia na areia, sol fraco e um frio desgraçado, mas o mar é o mar e só de vê-lo ali pertinho, o som das ondas na violência do vento, poucas horas, a viagem já valeu a pena. O ambiente solitário de turista de inverno sendo preenchido pelas palavras inflamadas da Bell Hooks no seu incrível E eu não sou uma mulher?. Meu material genético aos pulos com a leitura. Eu saboreando cada palavra, cada pedaço de horizonte que ela ia abrindo – pra minha sorte. O livro é forte, o problema é minha carne fraca. Praia é gatilho, e apesar da temperatura baixa a sede foi batendo. Aos poucos comecei a me distrair sonhando com uma cerveja. Fomos procurar um lugar aberto pra comer e beber. Como eu ainda não tava com fome, esperei o Namorado e a Amiga pedirem […]

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Sabe quando você olha uma imagem e não consegue identificar o que é até alguém te dizer e pimba! Você não consegue mais não ver aquilo. Parece feitiço: uma vez identificada a imagem, não importa o esforço que se faça para não ver o que foi visto, não adianta. A ignorância é perdida pra sempre de uma só vez. É um fato. Não tenho muita certeza, mas os vestígios de lembranças da infância e os relatos coletados de pessoas conhecidas corroboram a tese de que eu nasci feminista – para desespero do meu pai. Se não nasci com o gene já expresso, ele desabrochou muito cedo, sendo hoje impossível de identificar o início. Por isso hoje eu não consigo me lembrar de uma época na qual eu não acreditasse que todas as pessoas têm o direito de ter as mesmas coisas. Antes eu não chamava isso de feminismo, eu achava que era só uma lógica normal. Somos todos humanos, portanto podemos ter todos as mesmas coisas. Sim, eu também nasci com o gene da ingenuidade, e este me dá tanto trabalho quanto o outro. Devo defender o quão necessária é uma pequena dose de ingenuidade para viver neste mundo. Não conseguiria estudar, trabalhar, ler, se não fosse sob um véu ingênuo de crer que meu tempo pode resultar num mundo melhor. A ingenuidade pode ser útil, se utilizada como combustível de motivação para caminharmos em direção àquele horizonte chamado utopia. Mas, convenhamos, passei a adolescência em São Paulo, não se sai ilesa disso. Trouxe mais coisas na mochila, como cansaço, desconfiança e ironia. Tenho a péssima mania de julgar todos culpados antes de dar uma chance de provarem o contrário. Não é pra menos, o sistema tá aí, cai quem quer! Como eu não sou boba nem nada, corro atrás do meu. Início de junho, feriado chegando já chorei no ouvido do chefe e deu certo. Quatro dias em casa pra descansar, graças ao Corpus Christi. Inverno aqui no sul naquele friozinho, pandemia bombando, imaginei a praia vazia, ou ia este finde ou só ano que vem. Dito e feito. Eu, Marcela, o Namorado e a Amiga dela. Passamos o dia na areia, sol fraco e um frio desgraçado, mas o mar é o mar e só de vê-lo ali pertinho, o som das ondas na violência do vento, poucas horas, a viagem já valeu a pena. O ambiente solitário de turista de inverno sendo preenchido pelas palavras inflamadas da Bell Hooks no seu incrível E eu não sou uma mulher?. Meu material genético aos pulos com a leitura. Eu saboreando cada palavra, cada pedaço de horizonte que ela ia abrindo – pra minha sorte. O livro é forte, o problema é minha carne fraca. Praia é gatilho, e apesar da temperatura baixa a sede foi batendo. Aos poucos comecei a me distrair sonhando com uma cerveja. Fomos procurar um lugar aberto pra comer e beber. Como eu ainda não tava com fome, esperei o Namorado e a Amiga pedirem […]

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