Crônica

O retrato da vó Adely

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O retrato da vó Adely Arquivo pessoal
Eu adoro fotografias! Será que existe alguém que não goste? Há pessoas que gostam de apreciar fotografias, mas não gostam de ser fotografadas. Há quem goste de fotografar como um exercício de criatividade. Existem pessoas que refinam sua mirada a partir desse exercício e fazem da acuidade do olhar sua profissão. E há pessoas que gostam de ser fotografadas. Pois bem, eu me sinto perfeitamente situada nesse último grupo. Me saio muito melhor diante do que atrás das câmeras, e, por conta do meu trabalho como atriz, tenho certa intimidade com elas. Ah, não vou usar de falsa modéstia: eu sou muito fotogênica. E uma simples passada de olhos pela minha página do Facebook demonstra que essa é uma verdade incontestável. Entretanto, parece que dizer apenas que gosto de ser clicada não dá a real dimensão desse meu gostar. Pois, quando eu era criança, acreditava que se fosse atingida pela luz dos flashes eu apareceria na foto, independentemente de estar ou não diante do visor da câmera. Então, nas festas de aniversário da família, eu parava, onde quer que estivesse, sorria e fazia pose, quando me percebia iluminada por um flash. Depois, ficava intrigada e até ressentida por não aparecer em todas as fotos que imaginava que deveria. Que desperdício de poses… Minha mãe, Dona Lourdes, também gosta muito de fotos. Mas tenho a impressão que mais lhe apraz fotografar do que de ser fotografada. Ao menos quando se trata de suas três modelos favoritas: minhas irmãs, Aline e Imara, e eu, naturalmente. Recordo que, às vezes, na infância, ela se esmerava no caprichoso trançado de nossas cabeleiras, vestia-nos com nossas roupas de passeio e nos levava para a Redenção, ou para o parque Marinha. Lá, Dona Lourdes procurava as melhores paisagens, onde posicionava suas três flores sorridentes e as fotografava, com sua pequena e simplória câmera Kodak. Muito me aborrecia, porém, o tanto de tempo que demorava do momento da nossa sessão até ver as fotos finalmente reveladas. Foi só quando cresci um pouco mais que compreendi: não eram as fotos que tardavam. Custava era para haver dinheiro de sobra para a revelação. Então a mãe mantinha guardados os filmes de 12, 24 ou 36 poses, até que fosse possível alimentar nossos olhos com nossas próprias imagens, sem deixar de botar comida na mesa. Percebi então que, para nós, a fotografia era um luxo. Entendi que os nossos dois grandes álbuns custaram muito suor do rosto da minha mãe, pagos em muitas prestações. Assim como os poucos quadros que tínhamos nas paredes. Naquela época, os fotógrafos passavam de casa em casa, na vizinhança, oferecendo seus trabalhos, que podiam ser pagos com um carnê. Lembro que a Niquinha, minha tia, estendia um lençol atrás de nós para figurar como fundo da foto. Também demorei para perceber que aquela não era uma atitude protocolar, mas sim um artifício para mascarar a pobreza e a feiúra das nossas paredes de madeira crua e envelhecida.  Ano passado, assisti ao filme Travessia, de Safira […]

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