Crônica

Seu Mércio espera as vacinas

Change Size Text
Seu Mércio espera as vacinas

Seu Mércio é guarda de rua na Aberta dos Morros e nunca adoece, só fica amolado. Mas se recolheu à casa de uma prima de criação em Itaqui quando a pandemia provou que não recuaria. Por medo e por respeito à ciência.

[Continua...]

[elementor-template id="36664"]

Seu Mércio é guarda de rua na Aberta dos Morros e nunca adoece, só fica amolado. Mas se recolheu à casa de uma prima de criação em Itaqui quando a pandemia provou que não recuaria. Por medo e por respeito à ciência. 

E lá está ele, numa casinha no distrito de Bororé, à espera da vacina. Seu Mércio já estudou todas as vacinas de todos os laboratórios e sabe das suspeitas de gente de Bolsonaro sobre a vacina russa. Quem tomar a vacina russa, se for rico, fica remediado. Ser for remediado, fica pobre. Se for pobre, fica miserável. E os miseráveis que tomarem a vacina chinesa serão induzidos, por efeito colateral, a dar tudo o que têm aos ricos, porque os ricos estarão miseráveis porque tomaram a vacina russa. 

Mas seu Mércio estranha que ninguém fale, num raciocínio inverso, das vantagens da vacina de Oxford. E aí ele vai imaginando. Quem tomar a vacina de Oxford, se tiver graduação, vira mestre, se for mestre, vira doutor, e se for professor doutor pode virar desempregado. 

Vacinas russas, cubanas, chinesas, búlgaras, canadenses, americanas, inglesas. Seu Mércio estudou todas. Sabe a que temperatura cada uma precisa ser guardada. Sabe tudo sobre RNA, imunidade proteica, vírus inativado. Seu Mércio sabe que a vacina russa, talvez por ter passado comunista, vai custar um terço da média dos preços das outras. E que uma vacina americana poderá ser armazenada em um refrigerador comum, ao lado da cerveja. 

Vai ser interessante quando as famílias estiverem reunidas e todos puderem dizer com qual vacina foram imunizados. Seu Mércio acha que teremos debates na base de a minha vacina é melhor do que a tua. A minha dura mais. A tua é chinesa. A nossa é a mesma da rainha Elizabeth. A minha dá um barato. Seu Mércio prevê que em 2021 a vida será ocupada pelos debates sobre as vacinas. 

Quando as controvérsias estiverem esmorecendo, ele imagina que alguém anunciará que descobriram, de novo na China, uma vacina contra o ódio. E o debate será retomado a partir de uma declaração de Bolsonaro de que a vacina será inútil pra nós, porque não há ódio no Brasil. 


Moisés Mendes é jornalista, trabalhou em Ijuí de 1976 a 1986. Foi repórter do Correio Serrano – onde Jefferson Barros era editor nos anos 70 – e correspondente da Caldas Júnior. Por 27 anos, até 2016, trabalhou em Zero Hora, onde foi editor de Economia, editor especial e colunista. Escreve no blogdomoisesmendes.com.br e é colunista dos jornais Extra Classe, Brasil 247 e DCM. Publicou o livro Todos querem ser Mujica, pela Diadorim.

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.