Crônica

Sou uma traidora. Em dose dupla

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Sou uma traidora. Em dose dupla

Você, voluntariamente, confiaria sua vida aos que têm poder de iniciar uma guerra?  Há quase um mês (24 de fevereiro passado), o presidente russo, Vladmir Putin, cumpriu as ameaças de invadir a vizinha Ucrânia, que insistia em fazer parte da OTAN. A Organização do Tratado do Atlântico Norte reúne 30 países, entre eles os Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha. Todos de olho na Ucrânia para manter seus interesses geopolíticos intactos. O culpado por esta guerra, portanto, não é apenas o país invasor. A própria Ucrânia, que decidiu cutucar a onça com vara curta e desconhecer os constantes recados de Moscou, certa do apoio dos parceiros europeus e dos Estados Unidos (o mais interessado nesta disputa), faz parte do grupo responsável, segundo andei lendo, pelo 29º conflito armado existente agora neste planeta. 

Leio artigos a favor da Rússia ou da Ucrânia. Textos contra a OTAN, os países europeus e os Estados Unidos. Recebo abaixo-assinado, pedindo a criação de um Tribunal como o de Nuremberg. O novo fórum teria no banco de réus, no lugar dos nazistas, Vladimir Putin. Defendo que, ao lado dele, sejam julgados também Joe Biden (EUA), Emmanuel Macron (França), Boris Johnson (Reino Unido), Olaf Scholz (Alemanha), Jens Stoltenberg (secretário geral da OTAN) e Volodymyr Zelensky (Ucrânia). Nenhum deles pensou em encontrar uma saída para que as ameaças russas não virassem realidade.

Todos escolheram fazer a guerra para ampliar seus territórios e poderes. Sem pensar, um minuto sequer, na morte de soldados russos e do povo ucraniano. Matam sem qualquer complexo de culpa. Focam apenas em seus objetivos geopolíticos. Não em mortos e feridos. Usam armas, que destroem casas, escolas e hospitais. Recorrem a sanções econômicas e atingem todos os continentes. Provocam terror, medo e fome. Afugentam cidadãos fragilizados, que ficam sem saber para onde ir e como salvar suas famílias. Deixam mortos pelas ruas das cidades. São responsáveis pelo sofrimento de filhos, pais, irmãos, avós, tios, primos, amigos. Os órfãos ficam para trás, abandonados. Estes homens tiram o futuro de crianças. 

Cresce a lista de mortos no mundo por mísseis, bombas e balas de fragmentação, metralhadoras, fuzis, o que tiverem para matar o outro, sem perguntar se o atingido é a favor do confronto. Os parceiros de um lado e de outro não clamam pela paz. Ao contrário: enviam mais armas e soldados para guerra. Homens que colocam as suas vidas em risco, desconhecendo o que exatamente defendem e por que defendem. Agora, depois de tanta destruição, morte e milhões de refugiados, Zelinsky deixa escapar sua tendência de desistir do ingresso na OTAN. Por que só agora toma esta decisão?

Por ora, apenas uma única voz se levantou, pedindo pelo fim do conflito, a do Papa Francisco. Mesmo falando em paz, ele deixa clara a sua defesa da Ucrânia. Onde estão os pacifistas?  Na sua coluna de sábado passado em O Globo, o escritor angolano José Eduardo Agualusa diz que “quem não está nem de um lado ou de outro é considerado traidor por ambos oponentes”. Eu sou uma traidora. Em dose dupla. Seguindo com Agualusa: “Pacifistas só dão bons heróis depois que muita gente já morreu – incluindo eles próprios”.  Se eu morrer esta guerra acaba? Duvido.

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