Vou embora de Porto Alegre de novo
(versão 2020, durante pandemia COVID-19)
Daqui pouco mais de um mês, vou embora de Porto Alegre de novo. Retornar ao interior. A despedida gradual tem se limitado a algumas caminhadas com o cachorro nas proximidades desse endereço que vai se desfazendo. O CEP que sei de cor não vai mais precisar. Mas tá tudo bem.
O sobrado na esquina da José do Patrocínio com a República deve datar do século XIX. Ele tem um bazar e um terminal de Táxi no térreo. O segundo andar, se não me engano, abriga uma academia de artes marciais. Há pouco, um taxista fumava na porta contemplando a rua vazia, as motos e bicicletas de tele-entrega já tinham diminuído, o auge é às 22 horas. O meu cachorro fazia xixi na beira da ciclovia, atravesso sempre a rua pra evitar a calçada dos taxistas, eles conversam alto e sem máscara. O taxista com o seu cigarro, eu com o meu cachorro, ficamos olhando o asfalto úmido e a reta desabitada em direção à Praça Garibaldi. De barulho, o clique inútil da sinaleira pulando do verde pro vermelho, o zumbido de eletricidade nos postes, eu desdobrando a sacola pra pegar o cocô do cachorro.
A José do Patrocínio vai ficando escura depois de três quadras pra lá, mão única e sem freio, como se o marasmo fosse abismo. Parece que vai dar direto no mar ou em Palmares do Sul, tipo uma falha cósmica. O taxista devia pensar algo parecido com isso, escorado como um dos proprietários do sobrado. Petelecou o cigarro e entrou.
[Continua...]