Ensaios Fotográficos

Eduardo Nasi: Pedra e Céu

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Eduardo Nasi: Pedra e Céu
Talvez a coisa mais importante a dizer é que essa série de fotos começou a ser feita no deserto.O deserto é amplo. Nele, nossos olhos enxergam uma vasta profundidade de campo. Caminhantes percorrem o deserto por dias, por semanas, pela vida toda.Vejo fotos de Wuhan, de Madrid e de Paris. As legendas dizem que as cidades estão desertas. Mas não estão. As cidades não são o deserto, mesmo com ruas vazias. A experiência do deserto se opõe à do confinamento.Trancados em casa, estamos retomando uma percepção visual de espaço que me parece medieval, pré-perspectiva. Estamos mais uma vez vendo o mundo como se vivêssemos em vilarejos cercados por muralhas. Estamos empilhados uns sobre os outros em nossos apartamentos. Não é mais o mesmo mundo que enxergávamos antes. Mundo mundo parco mundo.Estou no sétimo andar, a duas quadras e quase no topo do Caaguaçu, ou Espigão Central, ou que chamamos de Avenida Paulista. É a área mais elevada do centro expandido de São Paulo. Tenho uma janela grande na sala que me rende uma vista que não é magnífica, mas quebra o galho. Só que essa paisagem vem se tornando a cada dia que passa um cenário mais estanque. Observamos os vizinhos, um em cima do outro, levando suas vidas. Como nós, vão do quarto para a sala, da cozinha para o banheiro, veem TV e trabalham com roupas de ficar em casa. Atualmente, o tempo é sempre o mesmo, o presente, e o espaço deixou de ser uma informação relevante. Estamos juntos. Não tanto por solidariedade, mas porque parecemos um díptico de Duccio. Estamos apinhados.Essas fotos que começaram no deserto foram vistas por umas dez pessoas há uns meses e, desde então, ficaram guardadas na memória do telefone celular em que foram feitas. Editei quase nada: só ajustei a linha do horizonte, porque me pareceu importante ter ao menos essa ilusão de estabilidade. Não mexi em cores e em nenhum outro elemento. Sem Photoshop, #semfiltro. Bateu saudade do deserto, e me parece que esse é um bom motivo para tirá-las da gaveta. Eduardo Nasi é jornalista. Escreveu, editou e colaborou com diversos veículos brasileiros. Trabalha numa agência de propaganda. Durante a pandemia, está conduzindo o projeto Sonhos de Coronavírus, em que recolhe relatos oníricos deste período.

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