Já faz um tempo que rumino sobre filosofia e casamento, planejando um livro que apresente e discuta argumentos e afirmações de filósofos e filósofas sobre a instituição política do casamento. O título provisório, um tanto macambúzio devo confessar, mas que coloca as cartas na mesa, seria algo como “Até que a razão os separe: visões pessimistas sobre o casamento na filosofia do Ocidente” Fiz umas contas aqui e percebi que este projeto está dormitando na gaveta há aproximadamente 1.000 dias, sistematicamente sabotado e postergado por melindres diversos. Escrever sozinho, a quatro ou mais patas? Qual o tom menos inadequado para tratar de um tema tão complexo? Pessimismo numa hora dessas? Quais textos, quais filósofos e filósofas convidar para a discussão? E o Oriente, vai ficar de fora? E as obras literárias? Ibsen, Shakespeare, Elvira Vigna, Tolstoi ou Hilda Hilst? E o cinema? Woody Allen, Bergman, “Le mépris” do Godard, “Spite Marriage” do Keaton? E as artes plásticas? Não seria um despropósito deixar “Vênus e Cupido” do Lotto ou “La mariée mise à nu par ses célibataires, même” fora do enquadramento? Antes que as dúvidas consumam outras mil e uma noites resolvi arregaçar as mangas e rascunhar o que, talvez, se a fortuna e as musas fizerem a parte que lhes é devida, venha a ser o esboço de um livro possível em um futuro não muito distante. Eu sei, a frase está repleta de idas e vindas, “poréns” e “senões”. É o sinal dos tempos. Estamos aprendendo na marra a decidir em contextos de incerteza e informação incompleta. Nada muito diferente de quando escolhemos alguém para trocar alianças. Mas deixemos de lado as trepidações e hesitações e vamos ao plano de ataque. Convido vocês à leitura de dez pequenos ensaios sobre o casamento que serão publicados nas edições vindouras da Parêntese. Segue a propaganda do cardápio, ordenado cronologicamente e disposto em pequenos acepipes para preparar o paladar dos convivas. 1) São Tomás de Aquino Começaremos analisando uma intrigante questão posta por São Tomás de Aquino (1225-1274): a esposa de um leproso estaria obrigada a “pagar o débito”, ou seja, copular com seu cônjuge? Com os vieses que só o transcorrer impiedoso do tempo nos proporciona, esta pergunta pode parecer completamente descabida para um leitor no século XXI, mas a resposta de São Tomás nos ajudará a compreender o peso de uma visão bastante difundida do laço matrimonial, a saber, entre as suas finalidade primárias estaria a geração e educação da prole. Ao descrever o contexto histórico do “Tratado do Matrimônio” de São Tomás, espécie de vade mecum doutrinal sobre o tema, teremos a oportunidade de vasculhar, em uma linha do tempo que começa no século XI, o interesse relativamente tardio da Igreja Católica em regulamentar a prática do casamento, em questões espinhosas como divórcio, legitimidade da prole e ética sexual. Propor soluções normativas para os conflitos potenciais gerados pelo casamento é uma tarefa tão antiga quanto o Código de Hamurabi, mas dificilmente encontraremos uma sistemática com maior impacto na cultura […]
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