Enquete

Depoimentos dos autores mais citados

Change Size Text
Depoimentos dos autores mais citados

Buscamos algum depoimento dos oito mais citados – os que receberam mais de dez menções no conjunto. Bernardo Kucinski nos concedeu uma entrevista; Milton Hatoum atendeu a muitas das questões que encaminhamos. Dos demais, apenas Conceição Evaristo não conseguiu nos retornar, apesar dos esforços de contato que fizemos. Ana Maria Gonçalves foi breve e ao ponto, ao passo que Chico Buarque preferiu uma auto-ironia.

[Continua...]

[elementor-template id="36664"]

Buscamos algum depoimento dos oito mais citados – os que receberam mais de dez menções no conjunto. Bernardo Kucinski nos concedeu uma entrevista; Milton Hatoum atendeu a muitas das questões que encaminhamos. Dos demais, apenas Conceição Evaristo não conseguiu nos retornar, apesar dos esforços de contato que fizemos. Ana Maria Gonçalves foi breve e ao ponto, ao passo que Chico Buarque preferiu uma auto-ironia. 

Parêntese – Como recebes a notícia de que o teu nome foi o mais lembrado entre os escritores citados na nossa enquete? 

Milton Hatoum – Agradeço à revista Parêntese e a seus leitores críticos. É uma honra e uma alegria estar acompanhado por escritoras e escritores cujas obras admiro. 

P – Qual a tua experiência de leitura dos autores que aparecem contigo nessa lista? 

MH – Tive o prazer ler contos e poemas de Conceição Evaristo, o romance de Ana Maria Gonçalves e os relatos e ficções de Bernardo Kucinski, Chico Buarque e Ruffato. Os temas dessas obras são diversos, mas convergem para as inúmeras iniquidades da sociedade brasileira, este país de “mil e uma misérias”, como escreveu Guimarães Rosa no Grande Sertão: Veredas. Essas narrativas abordam a escravidão, que gerou essas iniquidades no Brasil e em países colonizados; o assassinato, a repressão e a tortura durante a ditadura; a vida penosa de trabalhadores pobres; a desfaçatez e a ignomínia do atual governo e de setores da nossa elite. São temas trabalhados a partir de uma experiência particular, mas em todas essas narrativas a subjetividade das personagens e a linguagem são igualmente relevantes.

P – Tens um carinho especial por algum dos teus livros?  

MH – Não tenho preferência por esse ou aquele livro que escrevi. Uma vez publicados, nunca os releio. Assim, não corro o risco de os reescrever ou corrigir. Cabe às leitoras e aos leitores, sempre soberanos, julgá-los. Ainda hoje não sei explicar como esses romances – principalmente o Cinzas do Norte (2005) e o Dois Irmãos (2000) – atraíram um grande público leitor.  Há alguém mais misterioso do que um leitor, uma leitora? 

P – Qual a importância da leitura para ti?  

MH – A leitura é muito importante em um país em que as políticas públicas do Governo Federal (a Educação à frente) são relegadas a último plano, quando não abandonadas por inteiro. Uma parte considerável da minha geração (nascida no começo da década de 1950) ainda frequentou escolas públicas de qualidade. Como disse em outras ocasiões, tive a sorte de ter lido no Ginásio Amazonense Pedro II contos de Machado e romances de Graciliano Ramos, Erico Verissimo, Jorge Amado, e trechos de Os Sertões. Além disso, ficava fascinado com os livros da então Livraria/Editora Globo, de Porto Alegre. Como se sabe, esses clássicos da literatura foram traduzidos por grandes escritores e poetas: Erico, Drummond, Mario Quintana, entre outros. Uma das lembranças mais marcantes da minha infância refere-se à leitura. Um dos meus tios, deitado numa rede sombreada por um jambeiro, lia com assiduidade esses romances editados pela Globo. O calor abrasante e a umidade das tardes manauaras não o incomodavam; em muitas noites de apagão, ele acendia um candeeiro e lia. A ameaça dos mosquitos era anulada pelo feitiço da leitura. Ocupávamos o mesmo quarto, e eu adormecia com a visão daquele leitor. Usei essa cena no Cinzas do Norte: o personagem Ranulfo, tio de um dos narradores, lê “os livros que vinham do Sul”. Esses volumes preciosos viajavam mais de três mil quilômetros e chegavam à Livraria Acadêmica, no centro de Manaus. Poucos anos depois, eu os li com “misterioso fervor e lealdade”, como disse Borges, referindo-se aos clássicos.

Em seu belíssimo Pastiches et Mélanges, Marcel Proust assinala que “a leitura é o milagre de uma comunicação no seio da solidão”. De fato, no ato da leitura entramos em contato com a experiência do(a) narrador(a), e logo ingressamos na fantasia de um mundo inventado, que nos convence, nos comove e nos convida a refletir criticamente sobre nós mesmos e os outros, incluindo os tantos outros esquecidos, perseguidos ou atirados à margem da sociedade. 

Ana Maria Gonçalves, mensagem no dia 23 de novembro

Não tenho muito o que dizer… A não ser que fico feliz porque as pessoas se interessam por conhecer parte da história da escravidão no Brasil que sempre nos foi negada na narrativa oficial.

Luiz Ruffato, e-mail 18 de novembro

Fiquei extremamente feliz com a inclusão do meu nome nessa listagem, ainda mais na companhia de autores que não só leio, como admiro. Sinto que publicar livro no Brasil é lançar uma mensagem numa garrafa num imenso oceano de não-leitores. Então, saber que alguém não só recebeu essa mensagem, mas a leu e, de alguma forma, ela o modificou, é um privilégio. 

Até por razões de antiguidade, Eles eram muitos cavalos, publicado no Brasil em 2001, continua sendo o meu livro mais reeditado (agora mesmo está sendo lançada a 5ª reimpressão da 11ª edição), embora não seja o que alcançou as maiores tiragens, lugar que cabe a Estive em Lisboa e lembrei de você. Fora do Brasil, meus livros estão publicados em treze países, sendo que quem puxa a fila é Eles eram muitos cavalos, seguido de Estive em Lisboa e lembrei de você e De mim já nem se lembra.

Não tenho qualquer restrição a nenhum dos meus livros – estão todos em catálogo, com mais de uma edição. O leitor pode ter certeza de que em cada um deles eu me empenhei ao máximo e nunca enviei nenhum deles para editora sem que eu estivesse 100% satisfeito com o resultado. 

Cristóvão Tezza, e-mail dia 18 de novembro

Sobre a lista, é claro que fiquei feliz por O filho eterno ter entrado. Tudo indica que foi mesmo um livro marcante. Mas me sinto meio cabotino em comentar em causa própria. O autor, como o mordomo, é sempre suspeito!…

E é engraçado: acho que todo escritor tem ciúme de seu maior sucesso, porque parece que obscurece suas outras obras. Bem, sou grato a ele, porque foi um romance que me abriu caminhos literários e, do ponto de vista prático, transformou minha vida.

Sobre a lista, me parece boa e equilibrada, uma amostra bastante razoável das tendências da prosa contemporânea. Acho que listas de preferências de um público leitor mais ou menos especializado são sempre um bom termômetro do que está acontecendo, e penso que é nesta medida que devem ser comentadas, como sistemas momentâneos de valor, referência estética e prestígio.

Chico Buarque, por mensagem, dia 17 de novembro

Acho mais prudente esperar outro fim de século para opinar.

ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.