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Menos lidos do que deveriam

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Menos lidos do que deveriam

Não são poucos os dilemas escondidos por trás de uma pergunta aparentemente tão simples: quais foram os três livros mais importantes da literatura brasileira dos últimos 20 anos? 

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Não são poucos os dilemas escondidos por trás de uma pergunta aparentemente tão simples: quais foram os três livros mais importantes da literatura brasileira dos últimos 20 anos? 

Quem escolhe um livro escolhe junto um critério. E como critérios em geral são subjetivos e difíceis de alinhar, rankings expressam antes as preferências de um conjunto de leitores do que as qualidades unânimes de uma determinada obra. Há votantes que levam em conta a carpintaria do texto, a projeção do autor, a relevância do assunto tratado. Outros vão tentar reparar injustiças com os esquecidos, os mortos, os azarados. A maioria dos consultados simplesmente não leu tanto assim, o que acaba favorecendo os títulos que foram mais comentados e/ou premiados – a partir de critérios outros que são igualmente insondáveis. 

O certo é que todos os livros citados na pesquisa da Parêntese são menos lidos do que deveriam. Em um país onde se lê pouco, leem-se menos ainda os autores que ainda não são ensinados na escola. Se empurrarmos Paulo Coelho para a prateleira da “autoajuda”, nenhum entre os 15 escritores mais conhecidos do país (segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2020) encaixa-se na categoria “autor de ficção brasileira contemporânea”. Em ordem decrescente de citações, são eles Machado de Assis, Monteiro Lobato, Paulo Coelho, Jorge Amado, Augusto Cury, Mauricio de Sousa, Carlos Drummond de Andrade, Zibia Gasparetto, Clarice Lispector, Cecília Meireles, José de Alencar, Vinicius de Moraes, J. K. Rowling, Chico Xavier e Agatha Christie. 

De novo, excluindo Paulo Coelho, aparentemente satisfeito com o posto de guru, e Chico Buarque, alçado ao sucesso pela música e por acaso escritor, a literatura brasileira do século 21 não conseguiu produzir seu “Jorge Amado”, ou seja, aquele tipo de autor de expressão nacional de quem até mesmo sua tia que só lê livros espíritas já ouviu falar. Em compensação, um desconhecido sem amigos importantes e vindo do interior provavelmente terá mais chances de chamar a atenção dos leitores e das editoras do que seus colegas desconectados do século 20.

Se os rankings literários são inevitavelmente falhos e flagram no máximo um instante da sensibilidade e do espírito da época – como, em geral, todos os grandes prêmios e concursos de literatura – qual a validade desse tipo de consulta? 

Em 1955, ao apresentar no velho Correio do Povo os resultados de uma pesquisa parecida com esta promovida agora pela Parêntese, o jornalista Carlos Reverbel fez um comentário que talvez explique por que esse tipo de levantamento continua fazendo sentido: “O objetivo deste inquérito, que não era outro senão despertar interesse pelas obras que tratam da nossa terra e da nossa gente, foi plenamente atingido”.  


Cláudia Laitano é jornalista, com especialização em Economia da Cultura. É mestranda em Literatura pela UFRGS, com pesquisa sobre Carlos Reverbel. É autora de “Agora eu era” e “Meus livros, meus filmes e tudo o mais”, ambos pela L&PM.

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