A conexão sonora do amor
Quem ama ou amou ao menos uma vez provavelmente tem consigo “a nossa música”, aquela que, nos versos de Cazuza, “nunca mais tocou”. Mais do que uma coincidência do amor, “a nossa música” é um símbolo da relação, uma referência de alegria ou de dor, de desejo ou de rejeição. “Nossa música” faz parte incontestável do enxoval romântico, como a lembrança do primeiro encontro ou do primeiro beijo. Difícil localizar a origem do bordão nesse breve texto, mas podem-se apontar ocorrências na literatura e no cinema que contribuíram para difundir a ideia e torná-la popular. Na música, o uso explícito da expressão está exemplificado nos citados Cazuza e Wesley Safadão.
Em Os sofrimentos do jovem Werther, obra publicada em 1774 que apresenta o romantismo como uma forma de sofrimento psicológico, Goethe nos oferece uma descrição da associação entre música e amor – associação, então, ainda reservada às camadas mais cultas. Ao piano, Carlota, a amada de Werther mas prometida para Alberto, interpreta uma ária em duas passagens do livro. A execução é apenas instrumental – a combinação de melodia e poesia, mais tarde, deve ter sido decisiva para a expansão social do fenômeno.
Carlota toca “com a força de um anjo, tão sensível e tão espirituosa”, e a melodia livra Werther de “todas as mágoas, de todas as confusões, de todas as manias” desde “a primeira nota”. É a ária favorita de Carlota, ele salienta. Mais tarde, Carlota, já casada com Alberto, volta a executar a peça na presença de uma de suas irmãzinhas e do próprio Werther, que se desmancha em lágrimas ao reparar na aliança matrimonial. Logo, no entanto, com a melodia “quase celestial”, ele sente penetrar na própria alma “um sentimento de consolação” diante dos “intervalos sombrios de desgosto, das mágoas, das esperanças iludidas…”
[Continua...]