Ensaio

A estratégia da desinformação

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A estratégia da desinformação

Não leem nem se ligam no que ouvem ou veem. Afora futebol, crime, música e telenovela, o que mais importa? O mantra neopentecostal? Notícia não é gênero de primeira necessidade em bandas semiletradas e letradas também. Ainda assim, toneladas de notícias rodam e rolam de ponta a ponta do dia, em ritual infindável e tedioso. O per capita de investimento midiático do Brasil deve ser um dos mais altos. Deve haver um bom motivo para isso, com tantas inversões mais lucrativas. Um motivo extrajornalístico que vale o quanto pesa. Estranhamente, a informação jornalística não bate com comunicação. Algo está errado para haver tanta gente desinteressada no que acontece na sua rua ou em Brasília. A troco de que o distinto leitor, ouvinte, telespectador rejeita o que lhe interessa, dado de graça ou quase? Será desconfiança de que está sendo vendido ou comprado por alguém se morder a isca da notícia?

Exemplo surpreendente do esvaziamento da notícia sacudiu a avaliação do ombudsman da Folha de São Paulo no domingo das Mães (8/05). Da plataforma de sua coluna, José Henrique Mariante lançou um SOS extrajornalístico: “Vai ter golpe. Passe a informação.” Cansou de esperar por alguma atitude editorial do próprio jornal. Aliás, não é o primeiro golpe desmanchetado, houve outro recentemente. 

Há motivo de sobra para desconfiar da desimportantização de fatos e situações relevantes em benefício da principalização de miudezas. Nisso o jornalismo de agora se equipara aos tempos da ditadura militar. No espelho se parecem muito. Só mudou o tipo de censura. A autocensura passou a se chamar liberdade de expressão. A desinformação compulsória se transmutou em voluntária. 

A imposição de antes agora se consuma de livre e espontânea vontade. A imagem de imparcialidade que a grande mídia tenta vender não consegue mais esconder que ela condiciona a informação à agenda política da direita. Nada a ver com o interesse público e o bem comum. Conforme as contingências políticas, troca a informação pela desinformação, despudoradamente. É a razão de ter unificado sua pauta e uniformizado sua linguagem. 

O BRASIL AVANÇA PARA TRÁS (Luís Fernando Veríssimo)

O jornalismo da desinformação, ora anestésico, ora histérico, é a parte da grande mídia no pacto das elites que sucedeu ao controle social pilotado pelos militares. 

Não foi preciso quebrar a cabeça no desenho de um jornalismo míope e subserviente ao conchavo do atraso. Bastou recauchutar o que estava à mão desde 64, de fórmula simplória: passar a borracha no passado e bola pra frente, quer dizer, pra trás. Um jornalismo leniente com os soluços autoritários, desmemoriado e insensível ao drama social. Sempre predisposto a instigar surtos de instabilidade política e atiçar instintos golpistas. 

É o jornalismo pós-realidade, alinhavado sob medida aos designíos subterrâneos do conservadorismo troglodita. Por acaso há outro?

É a estratégia alentada de desinformação, o estoque inesgotável de distorções e evasivas de produção de falsas percepções, e de negação da realidade. 

A serviço dessa estratégia sombria, o modelito pós-realidade impulsiona reformas perversas, derruba e encarcera os fiéis depositários da vontade pública. É o jornalismo do bloqueio da inclusão e da alavancagem da exclusão. 

No momento, sua função tenebrosa é asfixiar no berço o processo de desenvolvimento solidário, e, paralelamente, modelar um paradigma mental antipovo e antinação.  


Carlos Alberto Kolecza – Jornalista

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