Ensaio

“A Peste”, Albert Camus

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“A Peste”, Albert Camus
Este artigo vem acompanhado do ensaio fotográfico feito por Charles “Chuck” Martin e que pode ser conferido neste link.

Esta leitura considerará o fato significativo de que elegância de tom, de expressão, ou de construção incomoda ou faz gaguejar o reconhecimento de que o conteúdo de uma obra seja carregado de ignorância, desprezo, ou costumes opressores, como se qualidade de expressão arrasasse tudo. O fato de uma obra fazer parte do passado não elimina a necessidade, ao relê-la, de considerar faltas que talvez não fossem tão evidentes então. A visão brilhante de muitas obras ilumina, como uma vela bonita, só a área mais próxima, deixando o resto em sombras. A velha chama, tão romântica, precisa ser transportada para outros lugares, não para incendiar a casa, mas para iluminar mais que a esquina ocupada, para tomar conta do afastado. Albert Camus escreveu maravilhosamente em La peste (A peste). Não há dúvida alguma disso. Mas nem a beleza nem a inteligência geral da obra apagam o colonialismo muito evidente, mas pouco comentado, como se fosse impossível reconhecer os problemas em uma obra bela. Ficar encantado é bem diferente de ser enganado. A obra permanecerá importante para sempre, e merece. E vai continuar sendo recomendada. Mas a discussão deve  se ampliar. Não tem prazo final a avaliação das sutilezas do privilégio, tema atual tanto agora como antes.


O desastre de Coronavírus Covid-19 trouxe uma grande onda de novas atenções à história da peste de Albert Camus, A peste. Como tantos outros, decidi lê-lo por causa das muitas citações que ele recebe. Não tinha lido Camus desde o primeiro ano de faculdade, no início dos anos 70, quando li L’étranger (O estrangeiro). Ler francês exige trabalho de dicionário para mim — uma mão de obra de que eu gosto —, então a tarefa foi, entre outras coisas, um retoque com referências antigas, assim como uma pesquisa na tela através de referências on-line. De vez em quando, no início, para confirmar, olhei para a tradução original em inglês do livro, mas achei que ela era ornada e extravagante, um ajuste para mim incongruente para esta obra de Camus, cuja escrita é bela, mas pesadamente austera no estilo, combinando com as circunstâncias austeras. As traduções, pode-se dizer, vão desde as focadas na língua original até aquelas que reinam livremente numa nova versão. 

Procurei informações do tradutor, Stuart Gilbert, e encontrei vários artigos chamando suas traduções de atraentes e interessantes, mas às vezes mais parecidas com uma paráfrase fantasiosa do que com uma apresentação fechada. A partir daí, me aventurei sem ajuda já traduzida. Outro item textual, talvez bom para rir, foi a repetição eventual, mas notável, de “niais” no texto PDF que eu estava lendo. A palavra significa “tolo” ou “idiota”, mas também pode ser uma forma verbal para significar, no pretérito imperfeito, “Eu negava” ou “Você negava”. No texto, parecia ser um advérbio ou um conector que teria sido uma forma romântica ou anormal de dizer “estupidamente” onde o francês “mais” (em português, “mas”) teria sido mais correto, se menos enfático em contraste. Ao não encontrar tal definição de dicionário para “niais”, numa boa parte do livro inclinei-me a aceitar isso, mas finalmente olhei para outro texto francês e descobri que a versão que eu estava lendo estava graficamente distorcida, e que o estranho “niais” deveria ter sido o “mais” (isto é, “mas”) comum e significativo. Mas é claro!

[Continua...]

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