Apologia de Steiner
Em fevereiro do ano passado, foi-se um dos últimos eruditos universais que ainda tínhamos, daqueles que, como um Umberto Eco ou um Jorge Luis Borges, parecia ter lido absolutamente tudo. George Steiner, enciclopédia viva, cosmopolita nato, trilíngue desde a infância (estava em casa em alemão, francês e inglês, mais um competente italiano adquirido mais tarde), morreu aos 90 anos, deixando dúzias de livros com uma variedade espantosa de temas — variedade essa que, em leitura atenta, é uma unidade mantida admiravelmente por sessenta anos de trabalho. Steiner sempre foi um proponente do plurilinguismo e da tradução como vias de trânsito privilegiadas entre as diferentes culturas, eras e sensibilidades. É, assim, um precursor do multiculturalismo e da tolerância ideológica. Infelizmente, é um pensador quase desconsiderado na universidade brasileira, onde as escassas menções sérias à sua obra se dão mais nos estudos de tradução (campo que Steiner inaugurou, ou pelo menos refundiu radicalmente, com o magnífico After Babel).
A principal causa dessa relativa impopularidade acadêmica é sua aversão à validade de uma “teoria” qualquer nas humanidades e sua crença no valor transcendente da obra de arte clássica, por um lado, e na cruel essencialidade da linguagem (pace Derrida e demais) como único esteio humano na existência, por outro. Sendo evidente a oposição entre um tal credo e a iconoclastia do pós-estruturalismo, desconstrução, pós-modernismo e pós-verdade, Steiner saiu de cena como uma melancólica peça de museu, lembrete de um passado que é tradição mas também dissensão. Entretanto, é de dissensões que vive a inteligência, então apresento aqui um apanhado dos seus principais escritos para interessar a quem interessar possa.
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