Ensaio

As descobertas de nomes de prédios na Avenida Cristóvão Colombo

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As descobertas de nomes de prédios na Avenida Cristóvão Colombo

Abro com este artigo uma nova direção na investigação dos nomes de prédios em Porto Alegre. Até aqui trabalhei com um grande tema – as referências à natureza, as menções ao universo gaúcho, as indicações de gênero, classe social ou pertencimento religioso – e seus impactos na nomeação de prédios residenciais. Com a coleta de grande quantidade de fotos ainda tenho material para seguir nesse percurso. Mas as caminhadas me fizeram experimentar um outro olhar sobre a cidade. Comecei a tomar como referência algumas das unidades que tradicionalmente organizam o meio urbano, a saber: a rua, a avenida, o bairro, a praça, o parque, alguma grande e icônica construção. E me pus a perceber a influência destas unidades na nomeação dos prédios do entorno. Faço minha primeira experiência com a Avenida Cristóvão Colombo. 

Percorri do início ao fim a avenida, coletando basicamente os nomes dos prédios residenciais e empresariais, e com alguma atenção a nomes de estabelecimentos comerciais. Mantive um olhar atento a cada esquina, pois é perceptível que a influência do nome de uma grande avenida avança alguns metros além, e contamina prédios em ruas adjacentes, a alguma distância da dita avenida. A Cristóvão, como é chamada, atravessa muitos bairros, tem quilômetros de extensão, sobe e desce um imenso morro, tem história antiga na cidade, e nela estão localizados alguns estabelecimentos bem conhecidos. Já foi chamada de Rua da Floresta, mas desde 12 de outubro de 1892, quando se completaram 400 anos da dita descoberta da América, recebeu o nome do conhecido navegador, matéria escolar obrigatória. 



Identifiquei três tendências que merecem comentário. A primeira delas é a grande diversidade na grafia do nome de Cristóvão Colombo. Ele aparece como Columbus, Cristóvan, Cristovan, Colombus, Colombo, Cristóvão e Cristovão (sem um dos acentos). E antes que alguém comente “isso é coisa de gente de pouco estudo”, destaco que algumas dessas grafias estão presentes em prédios recentes, como se pode conferir no repositório de fotos indicado ao final do artigo. E também em prédios na parte, digamos assim, mais “nobre” da avenida, não por coincidência aquela situada em cota topográfica elevada. Não apenas os prédios, mas também os estabelecimentos comerciais, se permitem escrever o nome do descobridor das Américas do modo como lhes parece mais conveniente ou sonoro. 



Uma segunda tendência, tanto em nomes de prédios como de estabelecimentos comerciais, é a transformação do navegador Cristóvão Colombo em São Cristóvão. Ao percorrer a avenida fica evidente que o Cristóvão Colombo foi sendo santificado, a batizar aqui um prédio residencial, ali um estacionamento, acolá um prédio empresarial, adiante uma lanchonete. Fiquei a imaginar que, como São Cristóvão é o padroeiro dos motoristas e viajantes, é possível estabelecer certa conexão. Cristóvão Colombo foi um navegador, portanto, um viajante. Se juntaram ao longo da avenida o navegador e o santo, que historicamente viveram em períodos e locais muito distintos. Não é um absurdo imaginar que, ao cruzar o oceano, mais de uma vez Cristóvão Colombo tenha murmurado a conhecida parte da Oração de São Cristóvão “falai a Deus por nós para que ele mande todos os anjos, potestades e milícias celestes para nos guiar e proteger”. Já naquele tempo as milícias faziam a segurança dos trajetos e das propriedades.

São essas coisas que me provocam a cabeça, a exigir que se vá entrevistar quem escolheu o nome do prédio, para saber afinal quais razões presidiram ao ato de nomeação. Fiz uma única tentativa. Entrei no Estacionamento São Cristóvão, em plena avenida, que oferece as modalidades rotativa, mensal e diária para guardar o carro, e fui indagar dos funcionários, dois garotos, a razão do nome. Além das risadas, recebi como resposta “isso é coisa do patrão”, que naquele momento não estava presente no estabelecimento. Provoquei então com a pergunta “será que tem a ver com o nome da avenida?”. Imediatamente os dois concordaram, e deram o assunto por encerrado, voltando às telas dos celulares. Para um professor de uma faculdade de educação como eu, essa falta de curiosidade das pessoas em saber a razão das coisas é de estarrecer. Consolei-me lembrando outra passagem da oração de São Cristóvão, “dai-nos paciência na caminhada”.



A terceira tendência é discreta, mas visível. Consiste em associar o nome da avenida com o descobridor da América, e por conta disso com a própria América. Localizamos um Instituto Odontológico das Américas, um Solar das Américas e um Condomínio Edifício Portal da América, dentre outros, ao longo da avenida. Verdade seja dita que, esparramados pela cidade, temos muitos prédios com o nome de América. Por vezes se tem a impressão que isso não designa a América como tal, mas se refere especificamente a um país, os Estados Unidos da América. Para dirimir a dúvida, teríamos que entrevistar quem batizou cada prédio. Também a designação Américas, no plural, aparece a nomear prédios em tudo que é parte da cidade, rica ou pobre. Mas aqui ao longo da Avenida Cristóvão Colombo me permito concluir que se desejou estabelecer uma conexão entre o navegador e o descobridor da América. Também temos a presença discreta da grafia Colúmbia, uma personificação feminina dos Estados Unidos, e nome um tanto assemelhado a Colombo. São hipóteses.

Por fim, dois destaques um tanto prosaicos, que me chamaram a atenção. Cristóvão Colombo chegou em 1492 na região do Caribe, no que hoje é uma ilha das Bahamas. Achei na avenida um Edifício Trinidad, que designa país e ilha do Caribe. Difícil que tenha sido assim batizado por associação com a avenida, mas vá se saber. E o mais delirante é que na Cristóvão se localiza o Condomínio Edifício Cinderela! Para ver como cada nome é um nome, por mais que se tente agrupar em unidades simbólicas.

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Fernando Seffner é historiador e professor na Faculdade de Educação UFRGS

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