Ensaio

Baudelaire 200 anos

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Baudelaire 200 anos Retrato de Baudelaire por Gaspard-Félix Tournachon (Pseudônimo: Nadar)

Baudelaire nunca esteve para brincadeira. Foi crítico de arte, pensador da modernidade (O pintor da vida moderna, 1863), pesquisador à sua maneira sobre drogas e alterações de consciência (Paraísos artificiais, 1860), tradutor-introdutor de Edgar Allan Poe na França (O Corvo, 1856; Histórias extraordinárias, 1856; Novas histórias extraordinárias, 1857; A narrativa de Arthur Gordon Pym, 1858; Histórias grotescas e sérias, 1865), navegador da primeira onda do poema em prosa (O spleen de Paris: Pequenos poemas em prosa, 1868). Além disso, constituiu-se figura excêntrica, frequentou salões e becos parisienses, foi beberrão, dândi, flâneur, burguês anti-burguês, brigou com o padrasto, viveu na pindaíba, pulando de apartamento insalubre em apartamento insalubre como quem muda de roupa, apesar de pouco ter mudado de roupa.

Mas foi com As flores do mal que o poeta bicentenário (9 de abril de 1821 – 31 de agosto de 1867) causou escândalo e mudou a história da poesia: um escândalo enorme e infinitamente pequeno, se comparado ao sucesso que fez – e do qual nunca chegou a desfrutar. Walter Benjamin foi categórico: “depois de Baudelaire nunca mais um livro de poesia foi um êxito de massas”.

A revolução que esse livro de poemas provocou é enorme e não se restringiu, aliás, à poesia: mudou os paradigmas de produção, circulação e recepção de toda a literatura e, de certo modo, do funcionamento e da compreensão de todo o sistema das artes. Como não temos todo o tempo do mundo para tratar disso por aqui, nem seria eu a pessoa mais capacitada a fazê-lo, peço licença para propor um modesto passeio por essa obra-marco. Com uma silenciosa – e toda minha – tese de fundo: a revolução de As flores do mal talvez já não seja tão imediatamente perceptível para nós – os de hoje, desta língua e deste ponto particular do mundo ocidental.

Comecemos de fora para dentro, pelo cenário político da França do dezenove, cuja turbulência só é comparável às circunstâncias da vida pessoal de Baudelaire. Os primeiros movimentos são de Napoleão Bonaparte, que ascende militar e politicamente ao longo do processo revolucionário e, numa sucessão de golpes, torna-se primeiro cônsul da República em 1799, para posteriormente instaurar o Primeiro Império Francês, autoproclamando-se imperador. Napoleão governa até 1815, depois de uma queda e um retorno, o Governo dos Cem Dias, quando a monarquia é restaurada, com o retorno dos Bourbon, na figura de Luís XVIII, que esteve no trono até 1824, sucedido por Charles X. Seis anos depois, em julho de 1830, as ruas de Paris viram palco de uma série de levantes – aqui surgem as barricadas e o quebra-quebra que Victor Hugo retrataria em Os Miseráveis –, o que leva à abdicação de Charles X e à instauração da Monarquia de Julho, uma monarquia constitucional de regime parlamentar tocada por um “rei burguês”, Louis-Philippe I. O regime se mantém até fevereiro de 1848, quando uma terceira revolução leva à abdicação do rei e ao estabelecimento da Segunda República, que ao longo do ano se organiza e prepara eleições, por sufrágio universal masculino – a contradição dos termos não é minha. O eleito? Luís-Napoleão Bonaparte, que tão logo se aproxima o fim do mandato de quatro anos, em 1852, vai mexendo os pauzinhos – sobrinho de peixe, peixinho é – até conseguir instituir o Segundo Império Francês, sendo proclamado Napoleão III. Foi em meio a essa bagunça que Baudelaire nasceu. E é sob esse regime totalmente contraditório – liberal e autoritário, progressista e excludente –, que se estende até 1870, que Baudelaire publicou As flores do mal, em 1857. Sob esse mesmo regime, Baudelaire viveu até seu últimos dias, em 1867.

É esse mesmo regime que vai acrescentar um elemento fundamental ao livro de Baudelaire: a polêmica, sempre um ótimo tempero, do ponto de vista da divulgação. Mas além da polêmica, ou melhor, por conta dela, o próprio livro vai acabar ganhando sua forma definitiva. Vamos aos fatos.

A primeira edição de As flores do mal – o primeiro título cogitado era As lésbicas, e o segundo, Os limbos – é de junho de 1857. Reúne poemas escritos a partir da década de 1840, diversos deles publicados em revistas e suplementos literários. São exatamente cem poemas, além do poema-prefácio “Ao leitor”, que normalmente não é contabilizado, organizados em cinco seções, na seguinte ordem: “Spleen e ideal”, com 77 poemas, “Flores do mal”, 12 poemas, “Revolta”, 3 poemas, “O vinho”, 5 poemas, e “A morte”, 3 poemas. Já há diversas inovações por aqui.

A primeira delas está na opção de disfarçar o prefácio – elemento presente em praticamente todo livro dos seus antecessores e contemporâneos românticos – em poema, ou seja, colocá-lo numa posição ambígua, tornando-o metamorficamente dinâmico: faz e não faz parte do livro, é e não é um prefácio, é e não é um poema. Em seguida, pelo próprio pacto que estabelece com o leitor, a quem se dirige fazendo uma espécie de hierarquia dos vícios humanos, para concluir o poema revelando o maior deles (a tradução, aqui e sempre, é do Ivan Junqueira):

Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais, 

Aos símios, escorpiões, abutres e panteras, 

Aos monstros ululantes e às viscosas feras, 

No lodaçal de nossos vício imortais, 

.

Um há mais feio, mais iníquo, mais imundo! 

Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito, 

Da Terra, por prazer, faria um só detrito 

E num bocejo imenso engoliria o mundo;

.

É o Tédio! — O olhar esquivo à mínima emoção, 

Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado. 

Tu o conheces, leitor, o monstro delicado 

— Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!

Há esse dedo apontado para o leitor no verso final, essa acusação (ou seria uma lembrança?) da sua hipocrisia, que ao mesmo tempo o define e o coloca em pé de igualdade em relação ao autor. Não se trata – e esse é um gesto moderno – de afagar o leitor, de entretê-lo, de fazê-lo evadir-se do mundo ou de elevar suas dores e alegria. É outro pacto de leitura, outro pacto de autoria.

A segunda inovação se deve à arquitetura interna do livro: a divisão em seções, com títulos que anunciam uma espécie de percurso narrativo da obra, sem que se configure efetivamente como uma narrativa, não é algo até então frequente na poesia lírica. Há, portanto, o acréscimo de uma camada de leitura, da possibilidade de construção de um significado do conjunto, para além do significado das partes individuais. Parte da encrenca virá justamente daí.

Quem procura exclusivamente inovação, no entanto, pode ficar profundamente decepcionado com as estrofes citadas. E com razão. Afinal, onde estão as inovações formais do precursor da poesia moderna? O verso livre e a linguagem coloquial, duas das características mais relevantes da poesia do século XX, não dão as caras em As flores do mal. Temos, ao contrário, o verso metrificado e rimado, com o predomínio avassalador do alexandrino – o verso de doze sílabas poéticas, considerado o mais “nobre” em língua francesa –, o trabalho recorrente com o soneto, a mais prestigiada das formas fixas, e uma linguagem que não se parece exatamente com a fala cotidiana – mas que, por diversos outros fatores, soa muito menos solene e amaneirada do que se esperava à época.

E é justamente essa adesão – ou impressão de adesão – às normas poéticas, somada a escolhas temáticas menos ortodoxas, que, em muitos momentos, vai se tornar fonte de desconforto. Um exemplo é “Uma carniça”, em que o mau gosto que está dado no título e perpassa todo o poema está a serviço de um discurso amoroso e, mais do que isso, de uma valorização do poder que a poesia e a arte têm de eternizar a beleza:

Lembra-te, meu amor, do objeto que encontramos

Numa bela manhã radiante:

Na curva de um atalho, entre calhaus e ramos,

Uma carniça repugnante.

.

As pernas para cima, qual mulher lasciva,

A transpirar miasmas e humores,

Eis que as abria desleixada e repulsiva,

O ventre prenhe de livores.

.

Ardia o sol naquela pútrida torpeza,

Como a cozê-la em rubra pira

E para ao cêntuplo volver à Natureza

Tudo o que ali ela reunira.

.

E o céu olhava do alto a esplêndida carcaça

Como uma flor a se entreabrir.

O fedor era tal que sobre a relva escassa

Chegaste quase a sucumbir.

.

Zumbiam moscas sobre o ventre e, em alvoroço,

Dali saíam negros bandos

De larvas, a escorrer como um líquido grosso

Por entre esses trapos nefandos.

.

E tudo isso ia e vinha, ao modo de uma vaga,

Ou esguichava a borbulhar,

Como se o corpo, a estremecer de forma vaga,

Vivesse a se multiplicar.

.

E esse mundo emitia uma bulha esquisita,

Como vento ou água corrente,

Ou grãos que em rítmica cadência alguém agita

E à joeira deita novamente.

.

As formas fluíam como um sonho além da vista,

Um frouxo esboço em agonia,

Sobre a tela esquecida, e que conclui o artista

Apenas de memória um dia.

.

Por trás das rochas, irrequieta, uma cadela

Em nós fixava o olho zangado,

Aguardando o momento de reaver àquela

Náusea carniça o seu bocado.

.

— Pois hás de ser como essa coisa apodrecida,

Essa medonha corrupção,

Estrela de meus olhos, sol de minha vida,

Tu, meu anjo e minha paixão!

.

Sim! tal serás um dia, ó deusa da beleza,

Após a bênção derradeira,

Quando, sob a erva e as florações da natureza,

Tornares afinal à poeira.

.

Então, querida, dize à carne que se arruína,

Ao verme que te beija o rosto,

Que eu preservei a forma e a substância divina

De meu amor já decomposto!

Baudelaire, portanto, é um poeta de síntese: conhece, dialoga com e incorpora a tradição, mas ao mesmo tempo é capaz de traí-la, deslocá-la e tensioná-la. E vem mais pepino por aí.

Ocorre que logo no mês de julho, momento em que a recepção crítica de As flores do mal ainda dá os primeiros passos, o livro vira alvo de um processo judicial na Sexta Corte Correcional do Tribunal do Sena, em Paris. A acusação: treze poemas ali contidos promoveriam um ultraje à moral religiosa e à moral pública. O acusador: Ernest Pinard – não por coincidência, o mesmo que procurador que, cinco meses antes, havia colocado Gustave Flaubert diante da mesma Corte sob acusação de imoralidade em Madame Bovary. Mas Flaubert escrevia prosa, e sua defesa tratou de demonstrar, com noções básicas de teoria literária, que as opiniões e visões de mundo do narrador e das personagens de um romance referem-se ao universo ficcional, não necessariamente representando as do seu autor. A tese da acusação não prospera, e Flaubert é absolvido.

Mas em poesia o buraco é mais embaixo, e a ideia de que o poeta fala sempre – e exclusivamente – em seu nome, e que portanto pode ser julgado pelo que diz em seus poemas, domina o discurso de acusação, que cita versos isolados de diversos poemas para assinalar a “devassidão da linguagem” de Baudelaire. Espera-se, em síntese, que num poema as flores sejam sempre perfumadas, cuidadas por esse jardineiro da moral e das coisas belas que é o poeta.

O advogado de Baudelaire, Gustave Chaix D’Est-Ange, argumenta que seu cliente efetivamente “mostra o vício, mas o mostra abominável, ele o pinta em tons repulsivos, porque o detesta e quer torná-lo detestável, porque o odeia e quer torná-lo odioso, porque o despreza e quer que o desprezem”. E, num outro momento, menciona a arquitetura do livro, explicando à corte que “a obra de Baudelaire não é uma reunião de poemas isolados, independentes uns dos outros, sem vínculos, sem continuações, sem ordem entre eles”. A escuta do procurador, portanto, teria sido seletiva: “Pois bem, o que fez o Ministério Público? Desse conjunto em que tudo se encaixa, ele separou algumas peças e, então, de cada uma delas, escolheu algumas linhas, algumas frases, e até alguns pedaços de frases, aproximou-as, reuniu-as, agrupou-as numa enumeração hábil e perigosa, de modo que os Senhores percebessem apenas o que é ruim, e tudo isso com uma continuidade que os atinge, que os surpreende, que os deixa revoltados. Os Senhores só têm o veneno, sem o remédio; os Senhores só têm os extratos amargos, violentos, concentrados, isolados de tudo aquilo que deveria atenuá-los e suavizá-los… Será isso justo, Senhores? Será este um procedimento aceitável, ou pelo menos capaz de lhes dar o ponto de vista verdadeiro e exato pelo qual a obra do escritor deve ser considerada?”

De nada adianta: parte da acusação é aceita, Baudelaire e seus editores são condenados pelo crime de ofensa à moral pública por conta de “passagens ou expressões obscenas ou imorais” em seis poemas – “As joias”, “O Letes”, “A que está sempre alegre”, “Lesbos”, “Mulheres malditas (Delfina e Hipólita)” e “As metamorfoses do vampiro”. A pena? Retirada de circulação dos exemplares impressos, supressão dos seis poemas condenados e pagamento de multa – 300 francos para o autor, que se veria obrigado a escrever uma carta à imperatriz Eugénie de Montijo implorando uma redução no valor da multa, que cairia para 50 francos (estima-se que um franco, em 1850, equivalesse a 3,27 euros de hoje).

Aí vem o pulo do gato. Uma segunda edição é publicada em 1861, já sem os seis poemas condenados, mas acrescida de outros 32. E não é só: surge uma nova seção, “Quadros parisienses”, que se soma às cinco existentes e se tornará, talvez, a mais importante do livro. Além disso, poemas mudam de lugar, alguns recebem alterações, de modo que a segunda edição funciona da seguinte maneira: depois do poema-prefácio, temos “Spleen e ideal”, com 85 poemas, “Quadros parisienses”, 18 poemas, “O vinho”, 5 poemas, “Flores do mal”, 9 poemas, “Revolta”, 3 poemas, e “A morte”, 6 poemas.

Em edições posteriores, outros poemas seriam acrescidos, inclusive os condenados: de forma clandestina num primeiro momento, depois escancarada, já que, apesar da censura estar vigente, a fama do livro já era tanta que não seria possível fazer nada contra. Spoiler: a condenação de Baudelaire só seria revista e anulada 92 anos depois, em 1949.

Mas voltando à segunda edição: é nela que surgem alguns dos poemas mais emblemáticos de As flores do mal. É o caso de “O albatroz”:

Às vezes, por prazer, os homens da equipagem

Pegam um albatroz, imensa ave dos mares,

Que acompanha, indolente parceiro de viagem,

O navio a singrar por glaucos patamares.

.

Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés,

O monarca do azul, canhestro e envergonhado,

Deixa pender, qual par de remos junto aos pés, 

As asas em que fulge um branco imaculado.

.

Antes tão belo, como é feio na desgraça

Esse viajante agora flácido e acanhado!

Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça,

Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado!

.

O Poeta se compara ao príncipe da altura

Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;

Exilado no chão, em meio à turba obscura,

As asas de gigante impedem-no de andar.

Outro é “A uma passante”, um dos tantos que inserem de vez – e aqui, mais uma novidade de Baudelaire – a cidade, a multidão e os impactos disso na sensibilidade do indivíduo na paleta de temas poéticos:

A rua em torno era um frenético alarido.

Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,

Uma mulher passou, com sua mão suntuosa

Erguendo e sacudindo a barra do vestido.

.

Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.

Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia

No olhar, céu lívido onde aflora a ventania, 

A doçura que envolve e o prazer que assassina.

.

Que luz… e a noite após! — Efêmera beldade

Cujos olhos me fazem nascer outra vez,

Não mais hei de te ver senão na eternidade?

.

Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!

Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,

Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!

A presença da cidade, e de uma cidade em profunda transformação, exige um último aparte histórico. Em 1853, o barão de Haussmann, que ocupa o cargo equivalente ao de prefeito de Paris, é incumbido por Napoleão III de fazer uma grande reforma urbanística da capital francesa, tornando-a mais bonita, mais arejada, com mais espaços verdes e água potável, com largas avenidas e vistas monumentais, enfim, de livrá-la de seu aspecto ainda medieval e transformá-la numa cidade moderna, à altura de seu império e de seu líder. Os trabalhos se estenderão até 1870 e escancararão as contradições desse período autoritário: Paris torna-se o que é hoje, mas à custa de um processo implacável de destruição – estima-se que cerca de 20 mil edificações tenham sido postas abaixo nesse período – e, obviamente, de gentrificação.

Baudelaire não teve tempo de ver o término das obras, mas viu tudo – e salvou o que viu – no olho do furacão. Em “O cisne”, uma caminhada pelas ruas em plena transformação traz à memória aquilo que não está mais:

[…] Fecundou-me de súbito a fértil memória,

Quando eu cruzava a passo o novo Carrossel.

Foi-se a velha Paris (de uma cidade a história

Depressa muda mais que um coração infiel);

.

Só na lembrança vejo esse campo de tendas,

Capitéis e cornijas de esboço indeciso,

A relva, os pedregulhos com musgo nas fendas,

E a miuçalha a brilhar nos ladrilhos do piso.

.

Ali havia outrora os bichos de uma feira;

Ali eu vi, certa manhã, quando ao céu frio

E límpido o Trabalho acorda, quando a poeira

Levanta no ar silente um furacão sombrio,

.

Um cisne que escapara enfim ao cativeiro

E, nas ásperas lajes os seus pés ferindo,

As alvas plumas arrastava ao sol grosseiro.

Junto a um regato seco, a ave, o bico abrindo,

.

No pó banhava as asas cheias de aflição,

E dizia, a evocar o lago natal:

“Água, quando cairás? Quando soarás, trovão?” […]

E logo adiante:

Paris muda! mas nada em minha nostalgia

Mudou! novos palácios, andaimes, lajedos,

Velhos subúrbios, tudo em mim é alegoria,

E essas lembranças pesam mais do que rochedos.

.

Também diante do Louvre uma imagem me oprime:

Penso em meu grande cisne, quando em fúria o vi,

Qual exilado, tão ridículo e sublime,

Roído de um desejo infindo! […]

E finalmente, depois de identificar-se com o cisne e de pensar em todos os desterrados deste mundo – enquanto, sublinho, nas ruas de Paris dezenas de milhares de pessoas estão sendo postas para fora de casa e vendo suas casas serem demolidas –, o poeta conclui:

Assim, a alma exilada à sombra de uma faia,

Uma lembrança antiga me ressoa infinda!

Penso em marujos esquecidos numa praia,

Nos párias, nos galés, nos vencidos… e em outros mais ainda!

Baudelaire nunca esteve para brincadeira. Depois de As flores do mal, a régua da poesia subiu, e talvez seja justamente por isso ela tenha passado a ocupar espaços cada vez mais restritos : não é sempre que surge alguém capaz de aliar o novo e o velho, o alto e o baixo, a reflexão e o sentimento, a clareza e o mistério. São duzentos anos de um poeta que continua nascendo.

P.S.: E os poemas condenados? Bom, não custa nada aplicar o golpe de marketing e sugerir que tu aí, na ponta da linha, corra atrás de um exemplar para chamar de teu e tire as próprias conclusões. Afinal, mesmo que os poemas que estiveram no centro da polêmica não agradem, há mais de uma centena de outros a serem (re)descobertos.


Diego Grando é poeta (autor de Spoilers, Prêmio Açorianos de 2018) e professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS, na área de Escrita Criativa. Faz parte do time fixo do Sarau Elétrico.

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