Ensaio

Does it, Frances?

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Does it, Frances?

É difícil precisar se ela já estava sentada no canto mais escuro da sala de acompanhantes do hospital quando entrei, por alguns minutos, ou se bastou o tempo de me dirigir ao anexo do café e pegar uma xícara para que ela chegasse. O fato é que, depois da convulsão do meu filho naquela madrugada e de uma ida desastrosa até o porão da emergência para um exame de tomografia cerebral – desnecessário àquela altura -, Frances McDormand me olhou de forma fixa e, com um certo ar de desdém, inclinando as laterais da boca para baixo, perguntou-me, sem muito ânimo: “Does it make sense for you?” [1]

Dessa vez, minha resposta não ocorreu de forma automática como ao longo da última semana. Esta era a pergunta que me faziam repetidamente ao final de cada assertiva médica e para a qual eu, em regra, respondia afirmativamente. A questão era de lógica. Eu recebia uma explicação de diagnóstico ou de tratamento aplicável, aparentemente plausível, e confirmava a compreensão do que estava sendo proposto. Uma questão de confiança na argumentação que era apresentada, de forma organizada, por quem detinha uma competência técnica específica pelo saber: “É um caso clássico de síndrome de Guillain-Barré”, afirmaram. Considerando que me encontrava frente a uma cultura e a uma língua distintas da minha, algumas confirmações no Google eram aparentemente suficientes para que fosse reafirmado o sentido lógico do diagnóstico médico alcançado com menos de quarenta e oito horas de internação. 

Ver Frances McDormand na minha frente mudou, de certa forma, essa perspectiva. Eu sabia, exatamente, o que ela representava, em termos de dramaturgia, para mim: O contato simbólico com a face mais dura da realidade cinematográfica norte-americana atual, capaz de gerar uma dúvida suficiente e despertar a desconfiança cognitiva para qualquer certeza. Se era ela a me perguntar quanto à correção da lógica de todo o processo é porque, definitivamente, algo de estranho estava passando de forma despercebida, talvez porque ainda me encontrasse numa certa situação de paralisia pelo excesso de ruído. E esse era exatamente o mesmo estágio de dormência em que se encontravam as pernas do meu filho naquele momento. 

[Continua...]

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