Ensaio

Dona Conceição dos Mil Sambas

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Dona Conceição dos Mil Sambas Foto: Cíntia Langie
Satolep. Tem várias. Uma Pelotas desconhecida é aquela de Dona Conceição Rosa Teixeira, a quem chamo carinhosamente de Dona Conceição dos Mil Sambas, uma das maiores compositoras vivas do Brasil. Brasil, tem vários, também. Ela é gaúcha, pelotense da Vila Castilhos, e compôs mais de mil sambas. Muito mais, na verdade. Não somente sambas, mas também valsas, tangos, bossas, canções regionais gaúchas, incluindo temas explicitamente inspirados em Gonzaguinha, Cazuza, Caymmi e muitos outros, numa diversificada criatividade. Você nunca ouviu falar da Dona Conceição dos Mil Sambas? A culpa não é sua. Vivemos no país das invisibilidades. O tempo me maquiou com muitas rugas no rosto  Em Maquiagem do Tempo, Conceição descreve a si mesma, coisa rara em suas canções, mais dedicadas ao amor, crítica social ou mesmo alguma troça. Ela me disse “agora que já criei meus filhos, posso mostrar para o mundo os meus outros filhos: meus filhos de papel”, que é a forma como chama suas canções.  Ouvir Maquiagem do Tempo (Soundcloud – YouTube – Partitura). O fato é que nem mesmo quando fala de si mesma assumidamente Conceição deixa de pensar a condição humana, amores, dores, sofrimentos e coisas jocosas e absurdas que acontecem com todos. Foi quando ouvi a canção Azoar pela primeira vez que se revelou para mim de imediato a grandeza de sua composição: um misto de empoderamento feminino, revanche e deboche, em meio a saltos melódicos típicos do chorinho, antecipações e uma harmonia de tensões e repousos apresentados através de dribles linguísticos perceptíveis mesmo a capella com batucada de mão. Uma senhora, nos seus oitenta para noventa anos de idade, compondo este tema é muito para minha cabeça.  Ouvir Azoar, com a participação especial de Simone Rasslan (Soundcloud – Partitura).  Azoar (trecho):Essa noite eu vou azoaro tempo vai mudare eu vou dar de louca Manuscrito de Azoar, escrita no verso de uma embalagem. Foto: Leandro Maia Tem coisas que poderiam ser do Paulinho da Viola, do Lupicínio Rodrigues, do Roberto Carlos ou do Teixeirinha, se não fossem da Conceição, que talvez tenha composto mais músicas do que todos eles juntos. Até aqui, muita produção, e quase nenhuma possibilidade de distribuição. Eu também não a conhecia até entrar em sua casa para realizar uma oficina pelo Núcleo de Inclusão Cultural do Festival Internacional SESC de Música, no ano de 2012. Até ali, nada de Conceição compositora, apenas a mãe comunitária conhecidíssima em Pelotas, que criou mais de cem filhos, conselheira pessoal e guia espiritual para pessoas que a procuram com frequência. Tendo coordenado seu próprio terreiro de matriz africana, ela solicitou permissão aos orixás para desativá-lo no início da década de noventa, mantendo as obrigações intrínsecas à sua prática religiosa doméstica, sem público externo em seu lar de crianças. Apesar da presença marcante de Conceição em Pelotas, suas canções ficaram restritas a poucos círculos, reunindo alguns amigos mais íntimos como o violonista e radialista Solon Silva – que já gravou uma de suas composições – Saudação à Alvorada, no disco “Música Popular Pelotense”, de 1999. […]

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