Ensaio

Números e letras a dar nome a prédios em Porto Alegre

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Números e letras a dar nome a prédios em Porto Alegre

Salvo raríssimas exceções, todo prédio urbano tem um número, como por exemplo 190. E poderá ter uma letra a complementar, como, por exemplo, 190 D. Consulte o repositório indicado ao final deste artigo, e vai encontrar lá tal numeração na fachada de um prédio. Mas não é disso que este artigo trata prioritariamente. O que trato aqui é do uso de algarismos, números e letras para indicar o próprio nome do prédio. Começo por uma modalidade muito particular de composição de algarismos, que resultam em números que identificamos como datas. Por mais que tenha percorrido a cidade, encontrei apenas cinco prédios nomeados com datas: Ed. 24 de maio; Edif. 15 de abril; Edifício 15 de julho; Cond. Ed. 13 de maio, Edifício 18 de maio. Quase todas no primeiro semestre do ano, e três delas em maio. Datas parecem nunca ter sido alternativa preferencial para nomeação de prédios na capital. 

Das datas acima indicadas, apenas o 13 de maio dispensa comentários. A curiosidade – móvel principal do que até agora tenho feito em torno dos nomes de prédios – conduz a especulações. Tomo o 15 de abril. Esta é a data do falecimento, por assassinato, do presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln. Temos na cidade vários prédios com o nome dele, perdendo apenas para os presidentes Roosevelt e Kennedy. Mas é também o dia em que, em 1452, nasceu Leonardo da Vinci, também a nomear vários prédios. A Catedral de Notre-Dame, em Paris, passou por violento incêndio nesta data, no ano de 2019, e seu nome também batiza prédios em Porto Alegre. Será que os moradores do prédio, neste dia, comentaram, nos corredores, ou no whatsapp do condomínio, que a catedral ardia na data que batiza o lugar onde residem? Alguém terá imaginado que aquilo foi uma premonição? Ou será que a data indica apenas o dia em que as obras do prédio foram concluídas? Ou a data de aniversário do engenheiro construtor? Dúvidas, a exigir mais pesquisas. Que ficam para as gerações futuras, pois eu só caminho, fotografo e anoto os nomes.

O que observei que constitui preferência para nomear prédios com números são alguns elementos que possibilitam quantificação. Os mais comuns são estrelas, amigos, irmãos, irmãs, ilhas e cachoeiras. Há uma boa quantidade de prédios com nomes como Ed. 3 Estrelas; Condomínio 2 Amigos; Residencial 2 Irmãos; Ed. Três Cachoeiras; Ed. Quatro Ilhas; Cinco Estrelas; Ed. 4 Irmãos; Edifício Unidos IV, Ed. Sinimbu II (aqui com o uso da numeração romana, algo pouco frequente); Edifício Duo. O que mais chamou minha atenção foram Ed. Dois Garotos; Ed. 3 Crianças; Edifício Três Irmãs; Edifício Três Caravelas; Ed. Três Lagoas; Edifício 7 Montes, Edifício 9 Irmãos. Do nove a coisa não passou. 



Como sempre, a curiosidade nos força a querer saber: quem são os garotos? Quais os nomes destas três crianças? Seriam trigêmeos? As três irmãs residiram no prédio? Onde se localizam estes sete montes? Os 9 irmãos seriam todos homens como a grafia parece indicar? As três caravelas só podem ser as da expedição de Colombo ao descobrir a América, mas fica a pergunta: os moradores do prédio saberiam dizer seus nomes? Encontrei dois exemplares de Ed. Dois Corações, e não resisto a comentar que “dois corações” revela certo padrão de moralidade pública aceitável em termos de moradia, porque “três corações” já poderia indicar um triângulo amoroso-afetivo-sexual vivendo sob o mesmo teto, o que, nos dias que correm no Brasil, redundaria certamente em investidas contra o prédio.



Algarismos também estão presentes, na fachada de prédios, para uso na numeração das caixas postais. No geral, não há nada de original aí, e, pelo contrário, a coisa tende a uma padronização enorme, em particular no modelo de caixas postais, quase todas de alumínio metalizado, do mesmo formato, tamanho e disposição. Mas encontrei sequências hilariantes, que podem ser conferidas nas fotos do repositório, como é o caso da sequência 3 – 1 – 2A – 2. Em outro prédio, com seis apartamentos, de cima para baixo, a numerar cada abertura de caixa postal, temos 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 10, a indicar regra matemática indecifrável.



No quesito numeração do prédio em si, também não há quase novidades. Mas fiquei espantado ao encontrar a indicação Ed. Dna. Adélia, nº 200 ou 206, escrito de modo absolutamente claro acima da porta do prédio, a indicar um notável grau de liberdade de escolha, confira no repositório a foto. Há uma tendência moderna a fundir o número com o nome do prédio, como se verifica em Lexington 111 Residencial. E uma tendência mais notável ainda, que é construir o nome do prédio, residencial ou comercial, com articulação entre o nome da rua e o número, como em Casemiro 410, e variações que seguem a mesma regra. Em tais casos, a arte da escrita e da colocação do número indica uma composição que faz as vezes de nome do prédio. Tal tendência se verifica, de modo mais intenso, em ruas “boas” da cidade, com nomes que por si só garantem certo status. A identificação do prédio fica então de imediato garantida pela rua “boa” e pela confirmação de sua localização naquela rua pelo número indicado. Embora eu ache essa alternativa um tanto “preguiçosa” para nomear prédios, não vou negar que, em grande número de casos, a composição visual feita entre o nome da rua e o número por vezes dá um resultado esteticamente muito bonito, como se pode verificar caminhando pela cidade e nas fotos colhidas.  

Há construções de todas as épocas, mas com alguma concentração maior nos mais recentes, em que não temos nome algum a indicar o prédio, mas temos um trabalho estético em torno do número, que parece fazer as vezes de nome e número ao mesmo tempo — confira nas fotos. E há um bairro na cidade, que é a Vila do IAPI (Vila dos Industriários ou Conjunto Habitacional Passo d’Areia), onde nenhum dos prédios da construção original tem nome, apenas números acima das portas principais, sendo tal conjunto habitacional de uma época histórica (entre 1942 e 1954) em que o costume de batizar prédios com nomes diversos foi intenso.

  Contradizendo o que afirmei na quarta linha deste artigo, reflito agora acerca do próprio conjunto de algarismos, a formar o número que ordena o prédio naquela rua. Em um prédio, encontrei “Ed. Janaína 238 dois três oito”, para que não ficassem dúvidas, em algarismos e por escrito, tudo na mesma placa. O mais impressionante em matéria de números a ornar fachada de prédios está dado por um edifício de construção recente, em uma esquina do bairro Santa Cecília, em que se optou por identificar os andares por números enormes, ocupando os algarismos pares uma das fachadas, e os algarismos ímpares outra, como se pode conferir no repositório.  

E também no repositório se poderá apreciar as verdadeiras obras de arte que são alguns números, pelo tamanho, estilo e colorido, disputando atenção com o nome do prédio. Há também as maravilhas de composição dos algarismos, por vezes pela repetição na grade, no portão e acima da porta, quando não também em uma placa no jardim do prédio, a garantir que ninguém tenha dúvidas acerca do número do prédio. São encantadoras também as ordenações de algarismos de cima para baixo, em escadinha, em vidros iluminados à noite, utilizando algarismos enormes; neste último caso o destaque fica com Mostardeiro 5, em que o algarismo 5 é uma obra de arte imensa que captura a atenção na calçada.  

Mesmo em se tratando de números, os estrangeirismos marcam presença, embora de modo muito discreto. Número em inglês é claro que fica mais chique, o que se comprova com o Edifício The First, o Edifício Six.Is, ou Edifício Premiere – ou Première, em francês – ou os diversos prédios com nomes Number One, ou então ONE qualquer coisa, como em You One ou One Place. Também se acha Four Seasons, o que já situa o prédio em um patamar de classe acima do Quatro Estações, designação de edifícios mais antigos, tudo registrado no repositório. 



Por fim, no quesito números, encontrei um Edifício Fração, no Jardim Lindóia, a revelar certo grau de abstração matemática na hora da nomeação. No caso das letras, é muito interessante perceber que temos Edifício Jota; Edifício Bekaele; Ed. Elebeká; Edifício IBL; Edifício TSS 1 e vários outros, a partir de composições de letras, ou da escrita por extenso do som das letras. Sempre penso que estes conjuntos de letras são indicativos do nome do proprietário, do construtor ou da empresa construtora, mas não há nada que corrobore com segurança tal hipótese.


  • Quem quiser conferir o banco de fotos deste artigo clique aqui.
  • Neste repositório também incluí fotos com aspectos típicos da geografia urbana da Barra do Ribeiro.
  • Quem quiser conferir a série completa de artigos sobre nomes de prédios, clique aqui.
  • Continuo estimulando que enviem fotos, nomes de prédios, curtas histórias sobre o assunto, ampliando as possibilidades de escrita. De Porto Alegre ou de qualquer outra cidade. Para isso, fica o contato, em [email protected]

Fernando Seffner – Professor na Faculdade de Educação UFRGS

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