Ensaio

Porto dos Casais, 250, precisa de mais gente

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Porto dos Casais, 250, precisa de mais gente Foto: João Marcelo Osório

A cidade tem como mito fundador a colonização por casais açorianos, que teriam prosperado em paz e harmonia com os demais grupos étnicos trazidos para ocupar o território gaúcho. Não deixa de ser curioso que passados apenas 250 anos a capital do Rio Grande do Sul esteja precisando atrair pessoas para seu desenvolvimento. 

Esse mito da formação de povos livres, pequenos proprietários e prósperos que aos açorianos foram se somando durante o Século XIX para ocupar a chamada “metade norte” do RS, pode atuar como um apagamento dos processos de subjugação violenta dos povos originários e africanos escravizados, como nos mostra o ótimo projeto DesapagaPoa, por exemplo.  

A partir da migração açoriana houve um processo dual de formação histórica – produção colonial mais ao norte e produção com base escravista ao sul, em especial nas charqueadas –, que já começava a apontar uma diversidade ou complexidade social e produtiva peculiar da região no país. Mas o branqueamento por aqui parece ser “fundador” e “pré-moderno”, anterior ao fim da escravidão e à necessidade de substituir a produção de base escravista, como aconteceu nas regiões de plantation (1)

No período republicano a cidade e a região prosperaram. Com controvérsias, a historiografia sobre o Rio Grande do Sul mostra um processo de modernização econômica e institucional peculiar, promovido especialmente pelo governo autoritário de inspiração positivista na República Velha, sediado na capital. A peculiaridade não estava no autoritarismo e sim na separação relativa do poder das oligarquias rurais e as instituições de governo, inovação que teve sua influência na modernização brasileira no pós-1930. Inclusive no início de incorporação de grupos subalternizados dentro de padrões modernos de impessoalidade e legalidade.  Longo caminho. 

Claro que a cidade à beira-rio nunca se tornou importante a ponto de disputar a centralidade do país, mas teve seus pulinhos de modernidade, inclusive em processos democratizantes, com destaque para a resistência da Legalidade e as experiências de gestão participativa do final do século XX. Mas vamos dar um salto, agora para 2010 (ano do último Censo), para chegar na paradoxal questão demográfica da cidade e da região.    

Se a história de uma cidade se contasse em décadas, Porto Alegre seria uma jovem. Contudo, já apresenta uma população envelhecida e com baixo crescimento demográfico, o menor entre as metrópoles brasileiras. E mais: se não houver nenhuma novidade (como se a crise econômica brasileira e a pandemia não fossem suficientes), o Rio Grande do Sul será o primeiro estado a ver sua população diminuir em termos absolutos, ainda nesta década (2). Isso quer dizer que a vantagem associada ao tal bônus demográfico está terminando antes das outras regiões do país.

Além de enfrentar todas as tragédias urbanas brasileiras que aqui se verificam a seu modo, Porto Alegre deveria ser atrativa em especial àquelas pessoas mais jovens, dinâmicas e criativas, tanto as que aqui cresceram quanto as criadas em outros lugares. Para tal, urgente é reverter a situação de penúria das nossas universidades, dos centros de pesquisa e dos processos de valorização da diversidade cultural. Mas a consciência desse fato preocupante poderia resultar em políticas de atração de pessoas e não só de empresas em busca de incentivos fiscais ou de endinheirados que podem comprar os imóveis em locais privilegiados, como – lamentavelmente – na nossa orla do Guaíba. O censo demográfico a ser realizado este ano nos mostrará melhor como está essa situação.


(1)  Uma visão histórica da formação do Rio Grande do Sul está no recente “Gaúchos e Paulistas na Construção do Brasil Moderno”, de Luiz Roberto Targa. Torres, Mottironi Editore, 2020.

(2) Uma análise da situação regional está no estudo publicado em 2014 “RS 2030: Agenda de Desenvolvimento Territorial”, disponível aqui.


Álvaro Magalhães entre 1993 e 1996 ocupou cargos da Prefeitura de Porto Alegre e foi membro da Coordenação do Projeto Cidade Constituinte. É Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

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