A Praça do Elton

*Texto de Leandro Selister, realizador do projeto online “O nosso olhar – Diário Visual da Pandemia”. As fotos e comentários de Elton Manganelli foram publicadas no projeto de Selister.
A morte prematura do Elton Manganelli pegou a todos nós, amigos, admiradores do seu trabalho e principalmente admiradores do ser humano que ele era, despreparados e nos desconcertou. Como alguém pode partir assim, sem avisar? Um infarto fulminante em plena pandemia, que não possibilitou despedidas. E hoje, passados apenas alguns dias, chego à conclusão de que ele próprio talvez não quisesse saber que já estava chegando a hora de partir. Prefiro pensar assim.
Vivemos para morrer. Então que a vida seja leve, cheia de criações, descobertas, desafios, desassossegos. Quer dançar? Dance! Quer pintar, desenhar? Faça isso! Quer atuar, criar personagens? Não perca mais tempo. Seja aquilo tudo que queres ser. Seja isso tudo pra ti mesmo. Sinta a beleza de ser aquilo tudo que tens vontade de ser, independente do mundo, de todos.
Era assim que eu percebia o Elton: um ser livre! Humano na melhor definição que a palavra carrega. Criativo, inventivo, provocante, curioso, inquieto, surpreendente, provocador e generoso.
Falo isso tudo porque tive o privilégio de ter a sua participação no projeto online “O nosso olhar – Diário Visual da Pandemia”, que criei e coordenei no facebook em abril de 2020, logo no início destes tempos tão escassos que vivemos. Um projeto que reuniu mais de uma centena de pessoas que desejavam estar juntas, mesmo que virtualmente, para compartilharem um pouco de amor, amizade, mensagens de otimismo, sorrisos e criações através de imagens produzidas individualmente e comemoradas no grupo. Os abraços, impensáveis ainda hoje, eram compensados dessa forma.
As imagens que acompanham este texto foram produzidas pelo Elton durante o período de quase um ano que durou o projeto. Nelas, percebo o Artista, assim mesmo, com A maiúsculo, que aceitava os desafios semanais a partir de palavras escolhidas pelo grupo, e criava imagens cheias de magia, sem medo de experimentar. Também escrevia pequenos textos/mensagens, muitas vezes explicando o que o motivava. Ensinamentos em pequenas doses para quem quisesse receber. Acredito que muitos dos participantes perceberam isso e fizeram muitas trocas com ele.
Em 2006, eu e a Blanca Brites convidamos o Elton Manganelli para expor na Microgaleria Arte Acessível do StudioClio. Lembro que fomos até o atelier dele pra ver os bonecos que ele queria mostrar. Chegando lá eu me apaixonei imediatamente por este boneco que está comigo até hoje. Os braços bem abertos dizendo: Viva!!!
A exposição “Coração de Cetim – Emoções Baratas” contava com vários bonecos em porcelana com expressões fortes, com roupas e adereços incríveis criados por ele.
Reproduzo aqui um pensamento do Elton em relação ao trabalho:
Me lembro de um dia, em São Paulo, que fui ver uma peça de teatro num pequeno circo com lona estrelada de furos. Uma criança, ao ouvir o ponto do teatro dando o texto aos atores, sem vacilar gritou “tem um ali embaixo dizendo tudo pra eles”. Neste metateatro, me dei conta, mais uma vez, que a criança vê o rei nu, sempre. É este frescor de sentimento que quero. Esta mistura de conto de fadas, de matinê, de emoção sem muito filtro. Esta máscara patética de Chaplin, Buster Keaton. Do Clown que espera a gargalhada ou o espanto. Este mistério. A poesia que não passa pela mente e vai direto ao coração. Me deixo levar por isso, só por isso: alegria, prazer, ternura, carinho, sensualidade, movimentos dos corpos, ações das cores. Pulsar sanguíneo. É a minha experiência, vivência na escolinha de arte, da TV, do teatro, cinema, o que faço com o corpo, minha intuição, tentativa de menos racionalizar e entrar em contato com minhas emoções básicas e essenciais.
As postagens pelo facebook começaram a se multiplicar tão logo todos souberam da notícia de sua morte. O que se leu a partir desse momento, apesar da perplexidade, foram depoimentos carregados de agradecimento, reconhecimento e amor. Todos tinham uma história para contar sobre o Elton. Uma vivência, uma experiência, um momento, um ensinamento.
Os últimos trabalhos/experiências visuais dele, publicados em sua conta no facebook, traziam folhas de GinkgoBiloba, colhidas na praça Gustavo Langsch, situada no bairro Bela Vista, em Porto Alegre. Quem acompanhou as postagens se deliciou mais uma vez com a criatividade do artista e as lindas composições e brincadeiras visuais. Essa praça é uma das mais lindas de Porto Alegre, e no outono adquire tons e cores impressionantes em função das árvores que ali existem. Encontrei o Elton um dia por lá, quando eu também colhia folhas para um trabalho que estou desenvolvendo.
A partir de agora, e toda vez que me referir a essa praça, chamarei de “A praça do Elton Manganelli”, e quando as pessoas me perguntarem quem foi esse Elton, falarei que foi um artista que sabia transformar as folhas de GinkgoBiloba em Arte.
Vamos viver a vida meus amigos. Intensamente.
Quero finalizar apenas agradecendo ao Elton por me apresentar a Lelei Teixeira.
Até breve, querido!
Meu carinho para toda a família!
Leandro Selister | Inverno 2021
Fotos e comentários de Elton Manganeli para o projeto “O nosso olhar – Diário Visual da Pandemia”:


















Elton Manganelli foi cenógrafo, desenhista, escultor, pintor, professor.
Leandro Selister (Vacaria, RS, 1965). Atua como artista visual e possui formação em fotografia pelo Instituto de Artes da UFRGS, onde também foi Professor. Já realizou diversos projetos de Intervenção Urbana, exposições individuais e mostras coletivas. Publicou três livros: «Cotidiano, Intervenções na Trensurb em Porto Alegre», «Tique-taque, tremor das pequenas coisas» e «Há tempo atento ao tempo». Criou e editou o site Artewebbrasil (2000/2009). Desde 2016 desenvolve o projeto «Leve a Minha Cidade – Perceba, Proteja, Preserve» com a proposta de estimular a valorização do patrimônio público cultural através do desenho, de objetos de design e estampas. Vive e trabalha em Porto Alegre. Nos últimos três anos também dedica-se ao bordado. Sua produção pode ser encontrada com maiores detalhes no site leandroselister.com.br