Borrão de fogo sujo
Como um grande borrão de fogo sujo
O sol posto demora-se nas nuvens que ficam.
Vem um silvo vago de longe na tarde muito calma.
Deve ser dum comboio longínquo.
Neste momento vem-me uma vaga saudade
E um vago desejo plácido
Que aparece e desaparece.
Também às vezes, à flor dos ribeiros,
Formam-se bolhas na água
Que nascem e se desmancham
E não têm sentido nenhum
Salvo serem bolhas de água
Que nascem e se desmancham
“Como um grande borrão de fogo sujo
O sol posto demora-se nas nuvens que ficam”. (Alberto Caeiro)
Ao ser convidado para fazer este ensaio fotográfico, de pronto vieram as imagens do sol que me fascina ao se despedir. Lembrei de Alberto Caeiro, claramente influenciado pela paixão que tenho por sua poesia e por Portugal, de onde vieram meus antecedentes e que hoje abriga meus descendentes.
As imagens deste ensaio são recriações livres dos contos que minha avó inventava para me distrair enquanto passava as roupas da família no pequeno quarto de costura de nossa casa. Também são as melodias dos fados cantarolados pela linda e afinada voz de minha mãe, que expressavam o desejo dela de rever a terra em que nasceu e que pouco conheceu.
Na verdade, as fotos são o elo afetivo entre o meu passado e meu futuro. Elas se fazem presentes em mim. Há uma íntima relação entre a realidade e a fantasia. A fotografia fixa o som da alma.
Para meus filhos e meus netos
Fevereiro de 2022.
Ayres Potthoff – Graduado em flauta pela UFRGS e Mestre em Flauta pela UFRJ. É um dos fundadores da Associação Brasileira de Flautistas, organizador dos Festivais Internacionais de Flautistas do Rio de Janeiro e Porto Alegre. Foi Diretor Executivo da Orquestra de Câmara Theatro São Pedro, grupo que fundou em 1985. Com frequência se apresenta ao lado de Daniel Wolff (violão) e Rodrigo Alquati (cello) em países como Estados Unidos, França, Alemanha, Hungria, Noruega, República Tcheca, Peru, Equador, Portugal e Canadá.