Ensaios Fotográficos

Flávio Dutra: Presídio Central

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Flávio Dutra: Presídio Central
Não se olha, a não ser com consentimento. Respeito. Quase cinco mil vidas pulsam ali. Para que sigam pulsando, muitas regras são acordadas – entre presos, guardas e presos, visitantes e guardas, visitan­tes e presos. Não se assina nenhum contrato, termo ou declaração. Percebe-se. A tensão parece sempre pairar. Agentes, portas, cadeados, grades. Um som permanece: algo desliza rascante e termina numa batida metálica. Grades abrem e fecham com um volume estridente. Todo acesso, entrada ou saída de uma galeria é seguido ou precedido desse som. Conversei com Ciro, Luis, Elvis, Anderson e Daniel, presidiários. Pouca gente daquele universo de quase cinco mil pessoas. Numa cela minúscula, com um beliche e outro preso como colega, Ciro organiza seus pertences de maneira milimétrica, num regramento impecável. Na oficina de artes, Anderson, reproduz em desenho fotos de familiares dos presos. Não vi o lado mais hostil, e ele efetivamente existe. A disputa e a tensão entre as facções, o exercício do poder à parte do estado, a violência latente estão por ali. Ainda assim, são quase cinco mil vidas, e este parece ser um ponto que nubla quando olhamos para o presídio e para como nos acostumamos a vê-lo descrito: “massa carcerária”, “população presa”. Eliminam-se as vidas particulares, as histórias pessoais; talvez isso ajude a nos tornar insensíveis, alguns até a pensar: “são todos iguais, um a mais, um a menos, que diferença faz”.  No mesmo ritmo, em um primeiro olhar talvez pareça controlável a situação da epidemia quando se trata de presídios: presos já estão isolados. Essa percepção superficial resiste pouco. Visitas, trânsito de agentes, policiais e advogados, permanente movimento de ingresso de novos apenados fazem das cadeias o contrário de um meio isolado, as tornando um conjunto comprimido e, pior, explosivo. Por outro lado, os procedimentos básicos de higiene e distanciamento social são inviáveis em um sistema carcerário que conta com cerca de 750 mil presos e 350 mil vagas – somos o terceiro país que mais prende no mundo, atrás de Estados Unidos e China. Álcool gel, máscaras ou “evitar contato” são impossibilidades óbvias. As fotos deste ensaio, feitas no começo de 2017, mostram um pouco do que encontrei na Cadeia Pública de Porto Alegre, o nome oficial do Presídio Central. Se aqui mostro o que olhei e vi no presídio, a dúvida que me bateu naquele momento foi como os presos o olhariam. Foi o que desenvolvi em um trabalho de mestrado, concluído em 2019, no Programa de Pos-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS com presos do Central e da Penitenciária Estadual de Porto Alegre. Esse trabalho será mostrado nessa seção em outro momento. Flávio Dutra é fotógrafo do Jornal da Universidade, da UFRGS, e professor dos cursos de Jornalismo e de Fotografia, da Unisinos. As imagens deste ensaio, realizadas em janeiro de 2017, foram originalmente feitas para uma reportagem em parceria com a jornalista Jacira Silveira e, depois, se transformaram em mote para um mestrado concluído em 2019, no PPGAV, do Instituto de […]

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