Ensaios Fotográficos

Isolamento: a dádiva do silêncio

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Isolamento: a dádiva do silêncio

Há dois anos começou a pandemia, e o medo me levou a buscar o isolamento em uma praia que passa a maior parte do ano vazia. Vazia de gente de fora. É uma antiga colônia de pescadores e resiste ainda, na maior parte de seu mapa, como reserva ambiental. Nos meses de verão, levas de gafanhotos humanos invadem o balneário que, acanhado e quieto, repousa entre o mar e a serra revestida de matas. Como já me sinto dona desse pedacinho de mundo, chamo aos outros, como os nativos do lugar o fazem, eles são os “turistas” com um “u” carregado na fala dos locais, ainda cheia de sons açorianos. E aqui vou ficando, senhora de um espaço que, egoísta, acredito ser só meu, longe dos flagelos da peste, do desgoverno e do caos do país. 

A praia da Pinheira, a 60 km ao sul de Florianópolis, é a minha Pasárgada. Manuel Bandeira me empresta alguns de seus versos: é onde a existência é uma aventura de tal modo inconsequente, onde andarei de bicicleta, tomarei banhos de mar, mando chamar a mãe d’água, para me contar histórias.

Bem cedo, a cada manhã, aguarda-se na praia o retorno dos pescadores que saíram antes do dia nascer. A refeição será o que o mar nos der:  linguados, anchovas, camarões, lulas. O Chico me conta sobre os ventos e as temperaturas da água, suas correntes e suas marés.  Tem os peixes de anzol, os de tarrafa e os de rede. Mais tarde, quem sabe, o primo do João, se der, me levará uma garoupa que, munido de um arpão, foi buscar perto das ilhas. No inverno, chegam do sul, buscando águas menos frias, os cardumes de tainhas. Os homens reunidos as esperam por dias e noites em galpões onde se contam histórias que duram o tempo da espera. As mulheres não devem entrar nos galpões, nem ouvir as histórias e nem participar do arrastão. Elas, as tainhas, chegam aos milhares. Os peixes – dizem os pescadores − são um presente do mar. As histórias são um presente dos homens. E, a vida, ah… a vida, essa é uma dádiva.   

Discretas trilhas recortam matas desenhadas por Rugendas que, pródigas, oferecem pitangas, amoras, butiás. O amarelo forte das alamandras e o roxo ou branco viçoso de buganvílias se fazem cortinas, e assim, indiferentes, ladeiam meus percursos.     

Aprisionada pelo belo, vão-se os dias e aqui permaneço.  O ritmo das estações e dos dias vai compondo os tempos: o tempo da longa caminhada, do mergulho no mar, da leitura, da escrita, da busca de imagens perfeitas para imobilizá-las em fotos. Aqui, encontrei o silêncio, aquele que mesmo acompanhado da cadência das ondas é profundo. É no silêncio que consigo ouvir o meu próprio pensamento. Esse silêncio de quem entrega seu olhar fixo ao infinito do mar é o mesmo silêncio que uma vez descobri olhando o pampa. Ele precisa de tempo para ser escutado. É um silêncio do reencontro comigo, que produz palavras que não se pronunciam, que se agarram nas entranhas do meu ser e, um dia, na urgência de um texto ou de uma imagem, ressurgirão em mim. 

As imagens capturadas da Pinheira aqui apresentadas são também parte desse silêncio. O ensaio fotográfico que segue tem fotos minhas e de Juliano Fachel Leal.  




[Continua...]

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