Luz do Som
A proposta era um ensaio fotográfico. Não havia tema definido. A página estava aberta, vazia. Silêncio, escuro, pano fechado.
Terceiro sinal. Uma luz tênue vai pintando formas, volumes. Uma longa inspiração traga todo o ar, até que a música soa e inunda.
Intruso, voyeur ou ladrão, quero aprisionar o instante em que a nota exata encontra o tempo preciso. Tendo ao fundo planos fechados, íntimos, em que músico e instrumento se fundem. O rosto responde ao som, os olhos se ausentam ou se fecham. Suor, intensidade, concentração, emoção e inteligência afloram de um corpo que é, então, a música que faz.
Gosto da pouca luz, assumo o grão da imagem, nem tudo é nítido e limpo. A luz, quando rara, é mais preciosa. Os fotógrafos do jazz, em seu tenebrismo caravagesco, sempre souberam disso. Na penumbra, querendo-me invisível, tento impregnar de som o instantâneo fragmento. Da música, minha ilusória prisioneira, retenho memória, imaginação, talvez desejo.
Entrego, nesse ensaio, a música que já não há para que o olhar trilhe, ao revés, o caminho de quem, ao ouvir, vê de olhos fechados.
Daisson Flach é advogado, professor, fotógrafo e músico amador