Ensaios Fotográficos

O índio das facas

Change Size Text
O índio das facas

A sexta-feira era de carnaval, mas o som que ele pôs no toca-discos foi Raul Seixas. Às vezes o acompanhava cantando, enquanto bebia do copo de cerveja sempre ao lado. Este Índio não é igual aos outros. Quando chegamos finalmente à sua casa, depois de um longo e divertido caminho, estava descontraído, alegre, de bermudas jeans, sem camisa, e usava no peito um colar de contas de sementes da Amazônia. 

Porém, havia algo nostálgico em seu semblante. Diferente daquele Índio que eu havia conhecido no domingo anterior, no Brique da Redenção, onde fui à procura de objetos da cultura gaúcha para fotografar. Lá, ele estava sempre sério, compenetrado. E me convidou à sua casa. Certamente na versão mais social de um artista das facas – o que ele realmente é –, ele se permite liberdades a mais. Afinal, estava em casa (que ele mesmo construiu), junto ao seu estúdio, sua arte e sua família. Foi logo dizendo que era descendente de índios guaranis missioneiros e de negros. Nos mostrou um livro onde havia figuras com roupas indígenas estampadas, como a provar de onde ele se originava, e um álbum de fotografias antigas de membros de sua família, em especial, sua mãe.

Ia falando, cantando, bebendo e fumando palheiro, enquanto mostrava a casa e as coisas em que estava trabalhando. Por onde a gente olhasse havia uma obra em construção, um trabalho a ser terminado, uma obra faltando a assinatura final. No pátio em frente à casa, o entalhe de uma cabeça de cavalo se insinuava por entre o tronco de uma árvore caída. Ao lado da porta de entrada para a sala, a figura de um totem indígena não deixa dúvidas sobre quem mora ali. Pendurado no teto da churrasqueira, entre tantos apetrechos restantes de antigas lides, um velho violão empoeirado. Já se tocou mais música por aqui…

E as facas, Índio, onde estão as facas? Ele convidou para acompanhá-lo e o seguimos para um barracão ao fundo do terreno. Ali não entra qualquer um, e são poucos os convidados. O que encontramos? O tempo que já passou. E também memórias e crenças que vão durar para sempre, na lembrança daquele homem de origens poderosas, com alto índice de semente e raiz: gauchos, índios (lembra Sepé Tiaraju) e negros. Tentei capturar esta alma tríade, em alguns vestígios de uma identidade em extinção.

Edição: Clô Barcellos

 

 


Marco Nedeff, formado em Publicidade e Propaganda pela PUCRS, fotografa profissionalmente desde os anos 80 nas mais diversas áreas da fotografia, artística, ensaios, documental e, eventualmente, eventos. Tem três livros com fotos suas em parceria com a  Editora Libretos: Rua da Praia- Um passeio no tempo, Mercado Público – Palácio do Povo e Águas do Guaiba, entre outros. Continua fotografando incansavelmente.

 

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.