Ensaios Fotográficos

Paisagens da infância

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Paisagens da infância

Conheço relativamente bem o Rio Grande, um tanto graças à cobertura de dezenas de festivais nativistas que fiz ao longo do tempo, outro tanto pelo gosto que sempre tive de viajar, conhecer lugares. De norte a sul, de leste a oeste, tenho um mapa em 3D na cabeça. Geografias e paisagens tão diversas como o Taimbezinho e o Hermenegildo, o Pampa e a Serra do Mar. Mas quem vê estas imagens que trago por incentivo do Fischer, e me lê agora, haverá de entender a razão de considerá-las as mais belas paisagens de campo do estado. Campo em coxilhas com bordados de capões de mato que quase sempre escondem/protegem uma sanga.

É assim a Campanha, é assim o interior de Canguçu, minha cidade natal. O município tem o maior número de minifúndios do Brasil, cerca de 14 mil propriedades rurais mantidas pela agricultura familiar, com destaque para a produção de frutas. Tem também fazendas de criação de gado – mas nada comparado às grandes estâncias da Fronteira. Uma dessas fazendas, no subdistrito conhecido como Passo do Marinheiro, abriga um núcleo familiar mais do que centenário. Os ossos de meu tataravô, o francês Camille Rostand, descansam no cemitério local. Nasceram por lá meus bisavós e meus avós maternos. 

Minha mãe nasceu na cidade, em Canguçu, mas em um período da juventude alfabetizou crianças na escolinha mantida em uma sala da fazenda. Minha avó tinha uma boa história também com Pelotas, onde seus pais construíram uma casa na rua Marechal Deodoro 858 (hoje é uma garagem) e onde morava seu casal de irmãos solteirões. Meu pai e minha mãe vieram trabalhar em Porto Alegre quando eu tinha seis anos – e depois são outros 500 que não vêm ao caso aqui. Mesmo assim, minha infância e adolescência estão ligadas diretamente às férias na fazenda dos tios. As fotos aqui são todas do entorno dessa fazenda.

Minha avó Ernestina (Tintina) tinha muitos parentes naqueles interiores. Quando íamos para lá nas férias (três meses!), visitávamos um a um viajando a cavalo, abrindo e fechando porteiras pelos campos. Além disso, outros primos e primas também iam para lá nas férias, e minha adolescência foi enriquecida por eles também, claro. Uma prima começou a tocar acordeom e tentou me ensinar alguma coisa, mas quando eu já tenteava uns acordes chegava a hora de voltar para casa – e aí só no ano que vem. Com ela, e pelas ondas da Rádio Liberdade, de Canguçu, decorei muitas músicas do Teixeirinha, no iniciozinho do sucesso…

Lá pelas tantas, no entanto, esse fluxo teve uma interrupção. Vim morar em Porto Alegre para continuar os estudos e logo fazer a faculdade, arrumei namorada firme, as férias ficaram mais por aqui, casei com Sônia, em 1973 passamos um ano na Europa, e na volta… 

Na volta, disse para minha mãe: “Tô com saudade lá de fora. Queres ir junto?” Claro que ela queria. Meu fusquinha azul cruzou com chuva e barro os interiores de Encruzilhada e atravessou de balsa o rio Camaquã. Fazia um sol pós-chuva quando chegamos à fazenda no fim da tarde. Foi um reencontro lindo com aquela família que eu sempre amei. Reencontro que nunca mais seria interrompido.

Todos os ancestrais, de todos os lados, já morreram. Daqui a pouco eu, Sônia e descendentes mais velhos da fazenda passaremos também ao status de ancestrais. Mas minha filha, Lis, e minha neta, Nina, adoram ir para lá e têm a mesma ligação original que eu tinha com aquele lugar, aquela história, aquelas pessoas de lá que chegaram ao hoje. Há anos e anos, duas vezes por ano, nos feriados da Páscoa e de Finados, o Passo do Marinheiro é nosso destino. Para passeios nas trilhas do rio Camaquã, churrasco de ovelha, carteado de noite… E aquelas mesmas paisagens de minha infância que não canso de fotografar.

















Juarez Fonseca é jornalista, crítico musical e acaba de lançar Aquarela brasileira (editora Diadorim), primeiro de três volumes que reúnem entrevistas feitas por ele desde a década de 1970.

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