Entrevista

Jorge Furtado: “O sertão do filme é um enclave depois de um grande muro”

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Jorge Furtado: “O sertão do filme é um enclave depois de um grande muro” Jorge Furtado (Foto: Fábio Rahal)

Em um país que lê pouco e vê muita televisão, adaptações são um serviço de utilidade pública cultural, aproximando tramas e personagens da literatura de um público muito maior e mais heterogêneo. 

Como roteirista, Jorge Furtado já adaptou autores tão diversos quanto Luís Fernando Verissimo (A Comédia da Vida Privada) e Boccaccio (Decamerão), passando por Rachel de Queiroz (Memorial de Maria Moura), José Cândido de Carvalho (O Coronel e o Lobisomem), Rubem Fonseca (Agosto) e Chico Buarque (Benjamin), entre outros. Agora, está a ponto de incluir nessa lista aquele que é considerado um dos maiores romances não só da literatura brasileira, mas da língua portuguesa. 

Com direção de Guel Arraes e o ator Caio Blat no papel do jagunço Riobaldo, a adaptação de Grande Sertão: Veredas com roteiro assinado por Jorge Furtado deve chegar aos cinemas até o final do ano – e à televisão (como uma minissérie em quatro capítulos) em 2023. 

Na entrevista a seguir, realizada uns dias atrás, reunindo três leitores devotos de Grande Sertão, Jorge Furtado adianta alguns detalhes da nova produção e conta como encarou o desafio de transpor o sertão de Guimarães Rosa para um ambiente urbano e distópico de um futuro não muito distante. 


Parêntese – Como foi tua experiência como leitor de Grande Sertão: Veredas?

Jorge Furtado – Teve aquela coisa de vencer as primeiras 60, 70 páginas. Aquilo que o Umberto Eco fala que é a “penitência” que o autor impõe para formar um leitor melhor. Tu fica lendo o livro e pensando: que língua é essa?, o que esse cara está dizendo?… Mas, de repente, acontece um negócio, dá um clique, e tu começa a ouvir as vozes da narrativa. Aí tu entra naquilo e parece que o mundo real é aquele, aquela linguagem. Então dá um certo barato. O livro é um poema de mais de 500 páginas em que nada parece fora do lugar. Meu livro original está em frangalhos. Não posso nem rabiscar mais de tão escrito que está. Todo sublinhado. E eu me lembro de ir sublinhando, sublinhando, sublinhando…Tem histórias paralelas dentro do livro que são maravilhosas. A história de Davidão e Faustino, por exemplo, a história quando eles matam e comem uma criança e a mãe aparece, o cara que tem os filhos cegos… Histórias soltas que circundam a história central daquela paixão reprimida. O livro é quase um I Ching, um “livro de areia” [livro infinito que aparece no conto de Jorge Luis Borges com esse título]. Dá para abrir todo dia, em qualquer página, e sempre encontrar alguma coisa.

P – Como foi adaptar o maior livro da língua portuguesa? Como tu encarou essa empreitada?

JF – Como diz o Jaguar: com a maior irresponsabilidade possível. É o único jeito de enfrentar um projeto como esse. Um amigo meu, quando eu disse que estava adaptando Guimarães Rosa, citou a fala de um general: “De expedições como essa, ou se volta coberto de glórias ou é melhor nem voltar”. A sensação que eu tenho, com relação ao nosso filme, é que vai ser um “ame-o ou deixe-o”. Como o livro, que, quando foi lançado, caíram de pau. Foi muito mal recebido nos anos 1950. 

P – Tem outro desafio desse tamanho na literatura brasileira?

JF – Considerando que é melhor deixar Machado em paz, acho que não. Machado tem muita coisa que não é filmável. A gente queria filmar Pai contra Mãe, que dá um belo filme, mas o Sérgio Bianchi já filmou em Quanto Vale ou É Por Quilo?, em que uma das histórias é a atualização do conto. É curioso que Machado, sendo negro, tenha falado tão pouco sobre escravidão, mas quando falou, falou muito bem. Acho que não tem nada como o Grande Sertão… A segunda parte de O Tempo e o Vento, a história do Rodrigo Terra Cambará, daria um belo filme. O personagem que volta do centro do país, onde vivia na farra, para morar em Santa Fé. 

P – Como vocês chegaram à decisão de atualizar o romance de Guimarães Rosa?

[Continua...]

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