Entrevista

Jessé Oliveira e a história do teatro negro no Rio Grande do Sul

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Jessé Oliveira e a história do teatro negro no Rio Grande do Sul Jessé Oliveira (Foto: Mari Bastos)

À frente do Grupo Caixa-Preta desde a sua criação, em 2002, foi só aos 21 anos que Jessé Oliveira (atualmente com 54) descobriu o teatro. Um início que se deu por acaso e que foi relativamente tardio se comparado a outros artistas. Formado em Direção Teatral pelo Departamento de Arte Dramática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs (1998), especialista em Teoria do Teatro Contemporâneo (2003) e mestre em Artes Cênicas (2021) pela mesma universidade, Jessé tem um trabalho marcado pelo teatro em grupo, no qual desenvolve atividades de direção, produção, iluminação e atuação. No Caixa-Preta, grupo que tem como característica congregar apenas artistas negros, dirigiu Transegun (2003), Hamlet Sincrético (2005), Madrugada, me Proteja (2006), Antígona Br (2008), O Osso de Mor Lam (2009) e Ori Orestéia (2015). 

Em 2016 foi diretor estrangeiro convidado no Theater Krefeld und Mönchengladbach, Alemanha, onde dirigiu o espetáculo Das Pferd des Heiligen – O Cavalo de Santo, que teve boa acolhida do público e da crítica. Tem apresentado seus trabalhos no Brasil, no Uruguai, na Argentina, no Chile, na Venezuela, em Cuba e na Alemanha. Em 2007, com Hamlet Sincrético, recebeu o Prêmio Florencio de Melhor Espetáculo, concedido pela Associação de Críticos do Uruguai.

Para além das habilidades criativas como diretor, produtor, ator e dramaturgo, Jessé também tem ocupado postos importantes como gestor cultural. Atualmente, é coordenador de Artes Cênicas da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre, foi diretor do IEACEN – Instituto Estadual de Artes Cênicas do Rio Grande do Sul (2020-2021), diretor do Teatro de Arena de Porto Alegre (2020-2021) e da Casa de Cultura Mario Quintana (2016-2020). Sua trajetória conta com outras atividades e contribuições, não mencionadas nesta breve apresentação por absoluta falta de espaço.

Na entrevista a seguir, concedida ao pesquisador teatral Cristiano Goldschmidt e publicada com exclusividade pela revista Parêntese, Jessé fala da família e das influências que contribuíram para a sua formação humana e profissional. Os caminhos do que podemos chamar de teatro negro no RS, assim como o processo de apagamento de artistas e intelectuais afro-brasileiros que enriqueceram a cultura gaúcha e brasileira, foram questões levantadas e amplamente discutidas. Na mesma linha, ele celebra os 20 anos do Caixa-Preta e justifica a necessidade da criação de um coletivo formado só por artistas negros que buscasse uma linguagem e uma estética próprias, não sem dialogar com os clássicos da dramaturgia. A experiência de dirigir um espetáculo na Alemanha, sob encomenda, e os contrastes com as precárias condições brasileiras, também são abordados. Além disso, Jessé demonstra profunda preocupação com o que chama de “ruptura civilizatória” instada por agentes públicos que colocam em risco a democracia brasileira. Boa leitura! 


Cristiano: Eu queria que tu falasses um pouco sobre a tua trajetória no teatro, que eu sei que foi um pouco tardia. Tu começaste ali pelos 21 anos. Então, eu quero ouvir um pouco a respeito de como se deu esse teu caminhar pelo teatro do e no Rio Grande do Sul. 

Jessé: Tu tens razão em situar como uma iniciação tardia, considerando que a maioria das pessoas começa a fazer teatro no período da adolescência, aos 16, 17 anos. E a minha iniciação se dá justamente pelos 21 anos, 1988/89. Éramos um grupo de pessoas que tinha várias atividades voltadas à cultura, mas principalmente voltada para a produção de eventos, produção literária, e quase todo mundo com vínculos políticos. E um dia surgiu alguém e disse “ah, vai ter uma oficina de teatro com o Paulo Conte”, e na época eu ainda não conhecia ele. Seria na Restinga, e todo mundo disse: “vamos fazer essa oficina”, porque ela tinha certo caráter de militância mesmo. Quer dizer, era uma instância de que a gente precisava participar. Eu não tinha nenhum interesse em fazer teatro, nunca tinha passado pela minha cabeça que eu faria teatro. Na época, eu lidava com outras manifestações culturais, escrevia poesia. Acho que era o momento em que eu estava terminando de elaborar um livro de poesia que eu lancei poucos anos depois – acho que dois anos depois. Aquele período em que a gente fazia aquelas produções artesanais, não fazia uma correção mais apurada, e esse meu livro tem muitos erros.

Então, o teatro surgiu um pouco por acaso. Mas eu tinha toda uma postura de disciplina e tomava nota de absolutamente todos os exercícios e das improvisações. Eu ainda tenho alguns desses cadernos. Mais de 30 anos depois e eu ainda os guardo. Durante essa oficina, comecei a criar um interesse, a dizer: “Olha, teatro é uma coisa bacana, ‘periga’ eu fazer”. E eu já tinha uma percepção racial de que um ator negro não teria uma carreira permanente. Eu já sabia que, se eu quisesse continuar fazendo teatro, teria que produzir e dirigir as minhas coisas. Então, ao mesmo tempo em que surge esse interesse em fazer teatro, em querer estar na cena, surge também uma percepção racial de que eu tinha que ser o autor desse produto, de que eu não podia ser apenas um elemento, não podia apenas integrar um grupo. Eu tinha que estar dentro desse grupo como um elemento decisório. Dentro de uma perspectiva marxista, eu tinha que ser o dono dos meios de produção.

Cristiano: Podes falar um pouco sobre esse teu livro de poesia? 

Jessé: É uma produção independente, creio que foi em 1991, 92, chama-se Variações sobre o mesmo tema, e era um livro em que eu fazia um exercício poético, mas ao mesmo tempo tinha muitos exercícios formais.  Ali eu já comecei a brincar com o haicai. E atualmente estou com um novo livro no prelo, porque agora eu tenho uma produção de uma centena de haicais, mas esse primeiro livro foi um exercício sob muitos aspectos. Ele era um exercício de linguagem, de formalismo literário. E ao mesmo tempo de manifestação, político, literário, político-estético. Mas, infelizmente foi daquelas coisas que a gente produz de forma muito artesanal e sem os recursos necessários, fazendo tudo sozinho, e por isso deixa passar muitas coisas. Acho que tem coisas interessantes ali que um dia voltarão a ser publicadas, mas numa publicação mais bacana.  

Cristiano: E tu também publicaste um livro sobre o teatro de rua de Porto Alegre.

Jessé: O livro sobre o teatro de rua é de 2010, aí já é uma produção cuidadosa, com lançamento, com recursos do Fumproarte.  Memória do Teatro de Rua em Porto Alegre é também uma primeira parte de outro livro que eu queria ter lançado. Mas vivemos num país em que a gente está sempre correndo atrás de recursos financeiros ou mesmo de uma editora para poder produzir.

Cristiano: Como é que foi a tua infância, Jessé? Quem foi a criança, o adolescente Jessé Oliveira, antes de descobrir o teatro?

Jessé: Eu sempre convivi com arte e com literatura dentro de casa. A minha mãe (Ione Faria) ganhou a 8ª Califórnia da Canção Nativa (1978). Ela foi a melhor intérprete com uma música chamada Súplica do Rio, do Paulinho Pires, que era um importante compositor dos anos 1970/80 e que faleceu agora, recentemente. O meu pai (Jota Silva) também era músico, ambos eram músicos da noite de Porto Alegre. Mas o meu pai era militar, e o Exército era, vamos dizer, o seu ganha-pão, era apenas a profissão pra ele se sustentar. Em casa eu convivi muito com ensaios, com compositores, com músicos importantes. Meu pai foi secretário do Clube dos Compositores, que ficava ali no alto do Mercado Público, então, parte da minha infância foi correndo pelos corredores do Mercado. Eu lembro que na infância conheci o Lupicínio Rodrigues no Clube dos Compositores, porque ele era amigo do meu pai.

Eu convivia com muita gente da música e sempre quis ser músico, mas não tive aptidão. Nós éramos seis irmãos, o mais velho já faleceu, e quase todos tinham aptidão para a música, menos dois, eu era um desses dois que não tinham aptidão musical.  Enfim, isso gera pra gente um approach estético, um interesse pelas artes. A minha mãe lia muito, e ela só teve até a quarta série; depois, mais adiante, é que ela concluiu o primeiro grau, o ensino médio, pra também ter evolução no trabalho dela, porque ela era funcionária da extinta FEBEM (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor). Minha mãe tinha uma letra maravilhosa, lia Dostoievsky, Tolstói. Coisas que eu não tenho estofo para a leitura, a minha mãe tinha. Então, em casa, a gente sempre conviveu com livros, porque minha mãe, meu pai, liam bastante. 

Quando eu me dei conta que eu não podia ser músico, apareceu o teatro na minha vida, que me mostrou uma possibilidade de eu verter ali todos os meus interesses artísticos, intelectuais, estéticos e políticos. Ou seja, com o teatro, eu posso flertar com a literatura, eu vou flertar com as artes visuais e também com a música. Ah, e eu me esqueci de dizer que estudei no Colégio Militar, dos 11 anos aos 17, e lá eu também tive iniciação artística, em escultura. Tinha lá o concurso do Jovem Artista, eu participava…

Cristiano: Além das referências na família, algum professor te marcou nesse período da tua vida escolar?

Jessé: Sim, eu ia chegar aí. Duas coisas, e ambas foram dentro do Colégio Militar, uma era a professora de artes, Cloelci Fortes. A gente agora se reencontrou pelo Facebook. Era uma pessoa muito generosa, muito atenciosa, que, além das aulas, dizia: “Tu tens que ler tal coisa…”, orientava nesse sentido. E a outra coisa foi quando eu já era um pouco mais velho, tinha uma festa lá no colégio, e eu vi um oficial do Colégio Militar cantando Hoje, do Taiguara. Eu já tinha escutado em casa, mas quando escutei dentro de outro contexto, que era um contexto onde essas coisas eram de certa forma “vedadas”, aquilo me abriu um interesse por música de protesto. Foi a descoberta de que a música não era apenas uma subsistência, não era apenas uma vocação, como eu via no meu pai e na minha mãe, mas que tinha um ímpeto e uma manifestação política. E olha que contradição, isso dentro de um evento do Colégio Militar. E eu estou falando de 1983, 1984, ou seja, ali no finalzinho da ditadura militar.

Então, eu acho que esse foi um acontecimento fundamental, inclusive para um certo interesse, uma certa formação política minha. Eu não lembro o nome desse militar, mas me lembro vivamente dele cantando, e eu entendia que aquilo tinha alguma desconexão com o ambiente em que eu estava vivendo. E, obviamente, quando eu comecei a fazer teatro, o Paulo Conte foi uma referência muito forte, e o é, até hoje, por também começar a vincular questões como a ordem do corpo, o corpo como um exercício político, coisa que hoje a gente está trazendo de uma maneira mais contundente, ou mais explicitamente teorizada. Mas naquele momento foi uma vivência muito transformadora. São acontecimentos, coisas lá entre 1980 e 1983 e depois, entre 1989 e 1990, que eu acho que ajudaram a definir quem é o artista Jessé de hoje.


Ori Orestéia (Foto: Marcos Feijão)

Cristiano: Quero falar a respeito da criação do Grupo Caixa-Preta, que se deu em 2002 e que completa 20 anos agora em 2022. Tu já falaste um pouco sobre a tua necessidade de, como ator negro, tomar as rédeas do teu trabalho, do teu percurso, da tua história. Mas por que criar um grupo de teatro só com artistas negros? Embora eu de certa forma entenda essa necessidade, queria ouvir um pouco dos teus argumentos, porque eu sei que tu és um cara que trabalha muito e pesquisa a questão da negritude inserida nas artes do Rio Grande do Sul, mais propriamente no teatro. Como é que se deu essa coisa de começar a pensar: “Olha, quero ter um grupo de teatro em que todos os integrantes sejam negros”?

Jessé: Veja bem, de alguma maneira eu já insinuei que essa centelha estava lá, no primeiro momento que eu comecei a fazer teatro, e vendo: “Olha, todo mundo que faz teatro é branco. Ora, se eu não for o dono dos meios de produção, eu não farei teatro, né?”. Só que eu segui fazendo teatro em grupos que eram majoritariamente com pessoas brancas. Já tinha feito a universidade, o DAD, o Departamento de Arte Dramática da Ufrgs, quando no fim dos anos 90, início dos anos 2000, tem um encontro da cena lusófona em Porto Alegre – acho que aconteceu dentro do Porto Alegre Em Cena. Eu já estava indo com espetáculos meus para o Uruguai, para a Argentina, para o Chile, e tinham chamado alguns diretores para um intercâmbio. Nesse encontro tinha três diretores, um de Moçambique, um de Angola e um de Cabo Verde, de três países africanos. E tinha também o Márcio Meirelles, do Bando de Teatro Olodum. Acho que de negro só tinha eu nesse encontro, e num determinado momento perguntei pra esses diretores africanos, que eram todos brancos, se não tinha diretores negros nos seus países. E todos disseram: “Tem, mas…”, com reticências, e eu sei o que esse “mas” significa, não é? Quando o Márcio Meirelles foi falar, ele se autodefiniu como um homem branco que dirigia atores negros. Eu, quando fui fazer a minha apresentação, de quem eu era, disse: eu sou um diretor negro que dirijo atores brancos. Porque naquele momento eu dirigia um grupo chamado Trupe de Experimentos Teatrais Bumba Meu Bobo e, em toda a existência do grupo, todos os atores que tinham passado por ali, excetuando eu, eram brancos.

E na universidade também foi praticamente essa mesma experiência. E eu disse assim: “eu preciso fazer algo para reverter isso e para que esse domínio sobre o modo de produção se estenda para além da minha existência individual e pessoal, que isso se torne uma força coletiva”. Mas reconhecendo também que na cidade já tinha existido outros coletivos negros, porque eu já conhecia artistas negros que militavam na questão racial: Vera Lopes, Sirmar Antunes, Nei Ortiz. Mas o que não tinha? Não tinha um grupo que fizesse pesquisa de linguagem, que tivesse um trabalho continuado e profissionalizado. E não estou aqui entrando na questão da qualidade desses trabalhos, porque todos tinham. Mas que fosse um grupo de artistas negros com trabalho continuado e com uma pesquisa nítida. E aí, um dia, me encontro com a Vera Lopes, que eu já conhecia; com o Márcio Oliveira, que eu também conhecia de outros carnavais, literalmente, porque eu e ele fomos dos fundadores da Mocidade Independente da Lomba do Pinheiro, em 1986. A gente se encontrou e disse assim: “Vamos criar um grupo?”. Aliás, não era nem criar um grupo, era “Vamos fazer um trabalho?”, e todos nós pensamos juntos naquele momento, porque os três tinham desejo de montar o mesmo texto, Transegum (estreou em maio de 2003), do Cuti (Luiz Silva Cuti), autor de diversas frentes e teórico da literatura negra. Romancista, poeta, contista. E aí nós decidimos montar esse trabalho. E como eu já tinha uma boa experiência, já tinha ganhado o Fumproarte, eu disse: “Poxa, vamos entrar com esse projeto no Fumproarte, porque nós precisamos fazer um espetáculo com dignidade de produção”. Ou seja, todos precisavam receber, a gente não podia ter limitação com nosso cenário, com a nossa luz, com nada. Queríamos fazer um espetáculo com toda a qualidade. Fizemos o projeto e ele foi contemplado no Fumproarte. 

Detalhe importante: o grupo começou em 2002, mas na verdade a gente precisa considerar esses momentos anteriores em que eu, Márcio e Vera nos encontramos. Mas consideramos o início do grupo quando a gente começou a ensaiar, mas daí nós já tínhamos toda uma gama de outros componentes que foram se agregando, Glau Barros, Adriana Rodrigues, Marcelo de Paula, Nina Fola, que começou também no grupo Caixa-Preta. 

Antes eu tive outras experiências em fazer algo ligado à cultura negra, mas nunca de forma continuada. Dentro da Universidade, fizemos um exercício com Shakespeare, e eu fiz uma cena misturando o Hamlet com os orixás, que foi o embrião de um trabalho que fiz anos depois (Hamlet Sincrético, maio de 2005). Mas por que enveredar para um grande clássico, que poderia também ser uma contradição? Por que pegar um cânone da dramaturgia universal? Porque para a gente também era um exercício político, além de um exercício estético. Se aquilo é um clássico, uma dramaturgia universal, ora, nós, pessoas negras, também somos a humanidade, também somos universais, então a gente pode fazer isso, não é? Sem contar que todo artista negro, quando vai fazer universidade ou quando entra para um grupo, ele jamais vai fazer os personagens principais dessas obras. Então, isso também foi outro viés que nós criamos, de investigação, que é trabalhar mitologias comparadas. Ou seja, ao mesmo tempo nós estamos trazendo elementos da cultura afro-brasileira, mas nós estamos lidando com os arquétipos universais que estão presentes nesses clássicos. Depois, a gente montou dois clássicos gregos, Antígona BR (2008) e Ori Orestéia (2015). Essas foram algumas razões pelas quais a gente criou o grupo Caixa-Preta, lembrando também que aquele era um contexto em que ainda não existia um coletivo permanente entre os artistas negros profissionais da cidade. Existiam experiências esparsas, alguns coletivos negros que utilizavam a arte como expressão política, como debate antirracista. Mas não tinha alguém fazendo teatro para ser profissional, para cobrar ingresso, para concorrer a prêmios. Nesse sentido, acho que também abrimos caminhos, porque somos, talvez, dos primeiros grupos de teatro negro da cidade que teve praticamente todos os seus espetáculos, desde 2005, sempre despontando entre as indicações para prêmios locais e prêmios internacionais. Um dos poucos grupos brasileiros que ganaharam o prêmio Florencio (2007), do Uruguai. Acho que só dois grupos gaúchos até hoje conseguiram isso. Então, o contexto da criação do grupo Caixa-Preta foi de uma necessidade muito pessoal. 

Pra finalizar essa questão, eu acho que, de certa forma, propusemos o caminho de um teatro negro que já existia e que existe desde o século XIX, mas resgatando o espírito de teatro profissional feito lá no século XIX, com Arthur Rocha. E que depois se perde. O teatro negro passa a ser apenas uma expressão de militância antirracista, sem pensar que nós podemos ser artistas, e não somente ativistas. Felizmente, hoje temos quase uma dezena de coletivos negros de teatro e de dança que estão se consolidando.


Antígona BR (Foto: Bruno Gomes)

Cristiano: Você falou sobre a influência dos teus pais, do Paulo Conte, e sobre os teus colegas de grupo. Mas quem foram e quem são na atualidade as tuas referências profissionais e intelectuais? 

Jessé: Bom, daqui de Porto Alegre, eu preciso destacar o Oliveira Silveira, que chegou tardiamente, mas de forma intensa na minha vida, e com quem eu convivi durante um tempo. Ele foi uma espécie de guru do Caixa-Preta, e era muito amigo da Vera Lopes. Ele ia a todos os nossos espetáculos, assistia aos ensaios, e a gente conversava, dialogava. O Cuti também é uma referência fundamental, porque a gente não apenas montou uma obra dele, mas que também era amigo da Vera e vinha seguidamente a Porto Alegre, e além de permitir que montássemos sua obra, assistia aos nossos ensaios. Pedimos para fazer alterações no texto, e fez. E na reedição do Dois Nós na Noite, o livro com todas as peças dele, reeditou com as mudanças que a gente empreendeu na nossa montagem, que foi nossa primeira montagem. Eu precisaria destacar também o Abdias Nascimento, que é uma referência, porque quando falamos em fazer teatro negro, a primeira referência é o Teatro Experimental do Negro, e com quem eu convivi muito pouco. Conheci-o em uma ocasião e fui me tornando cada vez mais próximo da obra dele. Recentemente, teve uma reedição da sua principal obra teatral, que é O Sortilégio. Na primeira edição que eu adquiri, eu tenho uma dedicatória do Abdias Nascimento. E na nova edição tem um ensaio meu falando sobre a importância e o impacto de O Sortilégio no teatro moderno brasileiro, mas, especialmente, no teatro negro.

Mas eu também tenho referências dos cânones do teatro. Durante um tempo da minha vida, Brecht foi uma referência fundamental. Em 1998, dirigi Os Fuzis da Senhora Carrar. Eu me exercitava muito com Brecht, me considerava um diretor brechtiano. Não é à toa que as referências estéticas do teatro dialético aparecem em praticamente todos os espetáculos que eu faço. Boal (Augusto) também foi uma referência bastante forte, porque durante um ano eu trabalhei com ele num projeto da prefeitura de Porto Alegre, que o trouxe para um trabalho junto à descentralização. Foram escolhidas duas ou três oficinas que trabalhariam diretamente com o Boal, e eu era um dos oficineiros da descentralização. Chegamos a fazer um texto a oito mãos, eu, Boal e mais dois coringas dele, que até hoje são meus amigos, a Bárbara Santos, que atualmente vive entre a Alemanha e o Rio de Janeiro, e o Geo Britto, que são dois grandes continuadores da obra do Boal. 

Assim como eles, outras referências, como a Viviane Juguero, uma colaboradora e amiga, porque trabalhamos juntos há muitos anos, e que é para quem eventualmente eu peço textos por encomenda, e aí eu interfiro muito. E que também me chama para dirigir seus textos. Às vezes a gente entra em um profundo conflito, mas nos acertamos muito bem, não é à toa que trabalhamos juntos há mais de 25 anos. Nossas duas últimas grandes experiências criativas juntos aconteceram em 2016, com o Método Arbeuq e o Cavalo de Santo, Das Pferd des Heiligen, que também foi um texto sob encomenda, em que eu fiz o argumento e disse para ela: “Oh, nós vamos começar a criar a partir daqui”, e que foi um espetáculo que eu fiz para uma companhia estatal alemã…

Cristiano: Era isso que eu ia te perguntar, então quero pegar tua deixa. Como foi essa experiência, a concepção e a direção desse espetáculo na Alemanha? Quais foram as condições de trabalho que te foram ofertadas, as dificuldades e o resultado desse espetáculo, que eu sei que repercutiu na imprensa alemã? 

Jessé: Se eu fosse falar sobre quais foram as obras que eu dirigi, mais importantes para a minha carreira, ou para a minha construção de artista, eu necessariamente precisaria considerar essa como uma delas. Talvez junto com o Hamlet Sincrético. É impossível falar da minha trajetória sem falar, por exemplo, de um espetáculo infantil que eu dirigi há 20 e poucos anos, que foi a Roupa Nova do Rei (infantil), como foi A Guarda Cuidadosa (teatro de rua). Mas o Hamlet Sincrético para o Teatro Negro e o Cavalo de Santo foram demarcadores para mim justamente pelo desafio que demonstraram ser. 

Com o Cavalo de Santo veio o desafio de ser convidado a dirigir uma companhia estatal em uma língua que eu, na época, não entendia absolutamente nada. Eu hoje até consigo ler, ou consigo conversar um pouco. Por outro lado, ao mesmo tempo talvez tenha sido o lugar onde eu tive a maior liberdade criativa, que eu nunca tive no Brasil. Na Alemanha eu tive respeito e dignidade artística como eu nunca tive aqui. E não estou só falando porque lá eu tinha todas as condições produtivas. Ou seja, lá eu tinha o meu estúdio, onde eu ensaiava. Eu passei um ano indo e voltando a cada dois meses para preparar a minha equipe, para quando eu chegasse lá o meu cenário estivesse semipronto. Eu cheguei ao meu primeiro dia de ensaio e vi o meu cenário pronto e os atores já com figurinos. E eu disse assim: “eu não quero nada disso, eu quero trabalhar pelo menos uma semana com o espaço vazio”. E foi uma coisa mágica, porque eu terminei o ensaio, continuei conversando com os meus atores, e quando olhei, o cenário desapareceu, porque rapidamente veio uma equipe e colocou tudo dentro dos carrinhos e as coisas saíram dali de dentro. Ou seja, qualquer desejo artístico da gente não é posto em xeque. O diretor é aquele quem detém todas as decisões estéticas. Enquanto, muitas vezes, no Brasil – e aqui eu estou me referindo às instituições –, quando a gente está dentro de instituições, o artista não é respeitado, especialmente o artista negro. E olha que aqui está falando alguém que nos últimos anos dirigiu as mais importantes instituições culturais do nosso Estado, especialmente voltadas para as artes cênicas. E eu nunca me senti tão respeitado, tão acolhido quanto na Alemanha. Não quero ficar fazendo apologia, dizendo que lá é melhor do que aqui. Apenas dizendo que é um país que, com sua história de dor e tragédia, aprendeu. Enquanto no Brasil a nossa história de dor e tragédia – sobretudo voltada para o grupo de pessoas não brancas, negros, indígenas, etc. – continua sendo desrespeitada, lá eles conseguiram aprender e reconhecer a dignidade do outro. Então, não houve nenhum momento de o meu trabalho ser colocado em xeque por acharem que um latino-americano é incapaz de dirigir atores e toda uma equipe. Eu trabalhava com dois atores, mas tinha uma equipe muito grande. Todo dia na minha sala eram mais de dez pessoas que trabalhavam diretamente comigo. Eu, assistente de direção, tradutor, era uma equipe gigante. E absolutamente respeitado dentro dessa dimensão criativa. Não estou aqui falando só de arte. Estou falando de respeito à cidadania, de respeito ao outro, de respeito à diversidade. Acho que esse foi o meu grande aprendizado lá, de entender como um país, que passou pelo que passou, conseguiu aprender com os seus erros. E olha que agora nós estamos vivendo momentos turbulentos no Brasil em que as coisas que aconteceram no século passado começam a retornar.


Hamlet Sincrético (Foto: Wagner Carvalho)

Cristiano: Tu achas que um dia nós seremos capazes de aprender com os nossos erros? Vislumbras uma mudança no quadro desses acontecimentos políticos recentes do nosso país, no sentido de que as coisas possam melhorar? Ou tu te consideras um pessimista nesse sentido?

Jessé: Acho que há uma frase do Saramago em que ele diz que as transformações são feitas pelos pessimistas e não pelos otimistas. Eu estou parafraseando. Segundo ele, o otimista sempre acredita que as coisas vão melhorar, enquanto o pessimista tem um quê de inconformismo. Então, eu acho que eu estou um pouco “saramaguiano”. Eu estou um pouco pessimista com o nosso futuro, porque nós estamos vivendo um momento realmente muito complicado. E não quero aqui ficar fazendo leituras políticas superficiais. É que nós estamos vivendo um momento de ruptura civilizatória. Eu acho que essa é a questão. Nós não estamos aqui fazendo uma discussão de direita, de esquerda, de centro, de liberalismo. É de opção civilizatória, e é isso que é profundamente assustador. Se a gente estivesse discutindo reflexões políticas, de ideologia mais à esquerda, mais à direita, mas não é isso, porque estamos falando do rompimento da ordem civilizatória. Então, nesse sentido, eu tenho me tornado um pessimista, porque pelo menos assim eu me sinto conectado e comprometido com processos de transformação, assim como todo o meu trabalho artístico sempre vai estar comprometido, assim como meu trabalho de gestor está conectado com isso, assim como meu trabalho pedagógico, como professor, que fui durante 10 anos, estava sempre conectado com essa noção, mas agora a ruptura civilizatória está agudizada ao último extremo.

Cristiano: Falemos então sobre o teatro político. Eu gostaria que tu falasses um pouco a respeito disso: de que forma o teatro pode contribuir para que a gente tenha uma sociedade melhor? O teatro – e o teatro negro especificamente – dentro de uma perspectiva da construção social, como uma demarcação de território, mas também como um instrumento para um fazer político.

Jessé: Acho que agora estamos vivendo um momento em que não apenas as presenças desses corpos – eu não gosto muito de utilizar a expressão corpos, porque tem um poema do Cuti, que eu queria muito me lembrar agora, em que ele diz: “não somos corpos”, porque corpos é algo que, de certa forma, é inerte ou que pode ser manipulado –, mas todas as presenças de diversidades, e não só as presenças sob uma perspectiva racial e étnica, elas hoje são exigidas estarem em cena. 

E agora eu vou falar do que me afeta, que é a presença negra, pensando que essa é uma presença insubstituível, no sentido de que o corpo… Eu vou tentar dar um exemplo: Quando temos um coletivo de artistas e precisamos substituir um ator, a gente vai ver que habilidades dele a gente precisa: ah, eu preciso de um ator que cante, de um ator que dê uma cambalhota, um ator que ande em perna de pau. Agora, quando falamos da questão da presença racial, é para além das habilidades. Então, quando criamos o Caixa-Preta e eventualmente tínhamos que substituir algum ator, a gente não dispunha de todo o manancial de artistas da cidade, porque a gente precisava de corpos negros que pudessem substituir. Eu não sei se tu entendes o que eu estou querendo dizer com isso. Outro exemplo: houve um momento, num projeto do Itaú Cultural, que estávamos discutindo grupos, e eu lembro que era um momento em que o Caixa-Preta era o único grupo com atores negros em Porto Alegre, e foi tão difícil de dizer para eles que a gente não estava falando só de habilidades artísticas, mas que nós estávamos falando de uma presença que não estava contemplada em nenhuma daquelas esferas que eles estavam considerando. E eu disse: “porque nós somos corpos insubstituíveis”. E isso não era uma questão de nós termos de fazer um debate qualitativo. Quando eu dizia insubstituível, não era no sentido qualitativo. Era no sentido de que quando a gente falava em substituir a presença de um ator negro em cena, naquele momento era algo que a gente não tinha. Em 2022, a gente tem um manancial muito grande de artistas negros na cidade. Essas presenças começam a ser mais facilmente repostas ou substituídas em cena. Não sei se eu me fiz claro. Acho que esse é o poder político dessas novas presenças em cena, e isso é político. A nossa presença é a ação política em si.

Cristiano: Na entrevista que eu fiz com a Usina do Trabalho do Ator, o Thiago Pirajira citou uma pesquisa que tu vens fazendo a respeito dos coletivos teatrais negros, em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul. Podes falar um pouco sobre isso? 

Jessé: Quando começou a pandemia e esse monte de lives, e as pessoas me chamando para falar sobre teatro, muitas vezes pediram para eu falar sobre o teatro negro no Rio Grande do Sul. E eu já vinha empreendendo há muito tempo um levantamento de quem nos antecedeu. E desde que começou o Caixa-Preta, gostávamos de dizer que nós não éramos o primeiro grupo de teatro negro da cidade. Nós somos mais um. Nós somos herdeiros de uma história que nos antecedeu, e isso para nós é algo muito sério, porque a gente é vítima do primeirismo da sociedade branca, que sempre gostou de nos colocar como o primeiro que fez isso, o primeiro que fez aquilo, e isso se desconecta de uma história anterior. 

Esse respeito pelos nossos antecessores já estava no espírito do Caixa-Preta, no meu espírito, Jessé, um artista, um encenador negro. Quando da estreia do Hamlet Sincrético, a gente encomendou do professor Oliveira Silveira que ele fizesse um apanhado sobre o teatro negro no Rio Grande do Sul. Ele fez o miolo do programa do Hamlet Sincrético e nos trouxe ali um apanhado muito interessante, que eu volta e meia consultava, até que eu me dei conta de que aquilo ali podia ser uma pesquisa. Aí eu falei para ele escrever sobre isso, e ele me disse: “Jessé, eu não tenho que escrever sobre isso, quem tem que escrever é tu”. Só que, quando ele disse aquilo, para mim não teve nenhuma importância. Agora, quando comecei a ser instado a falar sobre, para onde é que eu voltei? Eu voltei para essa genealogia que ele me apontou.  E aí o Oliveira Silveira começou a falar comigo diariamente, me cobrar diariamente. E eu entendi o que ele estava querendo dizer. Ele estava passando o bastão. Ele, dentro da sua sabedoria, estava falando que nós, pessoas negras, estamos sempre numa corrida de bastão. Não estamos em uma corrida de competição entre nós, estamos numa corrida de bastão, em que um vai lá, corre e entrega o bastão para o outro, e o outro sai correndo. Eu posso descansar e, na próxima volta, eu pego o bastão de novo. Ele estava me apontando para isso. Bom, comecei a buscar essas referências, essa genealogia, que passa por Arthur Rocha, que foi um jornalista, diretor, escritor e dramaturgo que escreveu mais de uma dezena de peças. Então, é uma pesquisa que resultou em um livro que está no prelo e cujo título provisório é Genealogias Cênicas Afro-Gaúchas, que surgiu da ideia de refletir sobre as experiências históricas do negro gaúcho no campo das artes cênicas partindo de marcos como o teatro de Arthur Rocha, no século XIX, de iniciativas dentro dos clubes negros e por coletivos negros passando pelo século XX aos dias de hoje com uma consolidação das artes cênicas negras.

Cristiano: O Artur Rocha caiu no esquecimento a partir do século XX. A que se deve o apagamento dessas figuras negras? É intencional? Como enxergas isso? 

Jessé: O que eu percebo é que quase sempre há uma espécie de sístole e diástole. Uma expansão e uma retração, ela é permanente e parece que, mais do que intencional, tem uma sistemática estabelecida aí, em que os nossos processos culturais, as nossas manifestações, ganham impulso e daqui a pouco vão, aos poucos, se diluindo, por vezes desaparecem, e daqui a pouco reaparecem do nada. E nisso está esse fator que eu falei, essa armadilha do primeirismo. Porque nós, não falo só de artistas, mas de todas as manifestações, parece que estamos sempre recomeçando. É sempre assim: o fulano é o primeiro isso, o fulano é o primeiro aquilo. Isso faz com que a gente esqueça o passado. É quase como se estivessem sempre nos fazendo dar essa volta em torno da árvore do esquecimento para que esqueçamos o nosso passado glorioso e criativo. Se a gente for pensar a formação do Brasil, às vezes dizem “ah, o povo negro forneceu mão de obra”. Nós não fornecemos mão de obra, nós fornecemos conhecimento. Como os povos que saíram da África eram redistribuídos no Brasil? Quem trabalhava com agricultura ia para o local que trabalhava com agricultura; quem trabalhava com mineração ia lá para Minas Gerais. Ou seja, não era a força, não era a mão de obra que estava sendo levada, eram os saberes. Mas essas armadilhas sistemáticas vão produzindo esquecimento, e nós vamos nos esquecendo do que nós representamos.

E existiam duas estratégias, uma era trazer esses grupos que detinham determinados conhecimentos, determinados saberes, mas ao mesmo tempo misturar povos que eram adversários ou que eram diversos na África, que falavam línguas, dialetos diferentes, que vinham para o Brasil e não conseguiam sequer se comunicar. Então, todas essas estratégias foram muito bem elaboradas para manter a servidão, para manter esses grupos, que faziam parte dessa diáspora, sem conseguir interagir de forma comum. Entretanto, a gente reconstituiu formas de pensamento, amalgamamos essas diferenças e essas semelhanças e produzimos o que somos aqui no Brasil, onde nós não somos africanos, nós somos afro-brasileiros, misturamos muitas coisas para preservar, de certa forma, as nossas existências culturais e as nossas existências físicas. 

Ainda respondendo sobre essa intencionalidade e essa sistemática, quando eu falo na questão dos saberes que eram trazidos para cá e que saberes foram desenvolvidos aqui, cito ainda a música erudita brasileira, que parece que é um lugar onde o negro não está presente. Ora, se a gente fizer qualquer pesquisa muito rápida, descobriremos que no século XIX maestros e compositores eram negros. O padre José Maurício Nunes Garcia é um exemplo disso. E aí, como é que acontece esse apagamento? Como e por que a música erudita deixa de ser, no Brasil, um espaço de domínio negro? Obviamente que nós também criamos coisas muito bacanas depois, transformando o lundu se cria o samba e tantas outras manifestações. Mas é falso quando se acha que o negro só está vinculado à música popular. Então eu trago esse exemplo só para dizer como essa sistemática nos coloca em situação de esquecimento permanente.

Cristiano: Nesse contexto, qual a importância dos clubes sociais negros para a preservação da cultura afro-brasileira no Rio Grande do Sul? 

Jessé: Bom, os clubes negros tiveram um papel extremamente importante sob a perspectiva política, porque muitas vezes foram o lugar de acolhimento das famílias negras, espaço de resistência, espaço abolicionista. Foram também um espaço de criação cultural, de desenvolvimento das artes negras, incluindo o teatro negro. Se pegares a história do Rio Grande do Sul, verás principalmente a história dos dois clubes que ainda existem, o Satélite Prontidão e o Floresta Aurora, que estão em atividade desde o século XIX. O Floresta Aurora produzindo, na década de 1890, o grêmio dramático, fazendo teatro. Quero em algum momento ainda encontrar algum jornal antigo que traga esses relatos. Então, os clubes negros sempre foram um espaço de resistência e de permanência. O Satélite Prontidão está fazendo 120 anos neste ano, e o Floresta Aurora fazendo 150 anos, sem nunca deixarem de existir. Olha que coisa incrível! Que clubes brasileiros – mesmo os clubes de estrangeiros brancos, alemães, italianos – têm essa perseverança? Isso é um fenômeno. Por mais que a gente diga que houve momentos em que estiveram desestruturados, eles nunca deixaram de existir um ano sequer. Então são espaços de resistência artística, onde parte da história do teatro negro e do teatro porto-alegrense passou. 

Cristiano: Para a gente encerrar, quais as perspectivas para o teatro, para as artes e para a cultura negra no Rio Grande do Sul e no Brasil?

Jessé: Eu diria que precisamos pensar como fundamental a presença dos artistas e dos intelectuais negros, do pensamento negro, pensar que a cultura negra está se fazendo absolutamente necessária e indissolúvel do momento atual. Não há mais como a gente recuar da influência da cultura negra em todas as manifestações, seja na música, seja no teatro ou na literatura. Olha a literatura incrível produzida pelo Cuti, pela Conceição Evaristo, pelo Nelson Maca, pelo Jeferson Tenório, aqui no Rio Grande do Sul, e tantos outros já falecidos, como o Machado de Assis e o Lima Barreto. E a gente não está falando de artistas que só produziram guetificação, estamos falando de pessoas que ajudaram a produzir o pensamento universal. Todos eles produzindo pensamento universal. Dei o exemplo de intelectuais voltados para a literatura, mas a gente poderia seguir falando em tantos outros campos, listando nomes importantes na música, na dança, no teatro, nas artes visuais. Todos fundamentais para a formação e a constituição da cultura do nosso país.


Cristiano Goldschmidt é jornalista e pedagogo, doutorando e mestre em Artes Cênicas pela Ufrgs. Conselheiro de Estado da Cultura do RS.

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