Entrevista

João Carlos Brum Torres – Entre a academia e a política

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João Carlos Brum Torres – Entre a academia e a política Foto: Arquivo pessoal

No ligeiramente distante ano de 1993, João Carlos Brum Torres cumpria as funções de Secretário Extraordinário de Captação de Recursos da Prefeitura de Porto Alegre.

Imagine quão árdua é a tarefa de negociar projetos de longo alcance estratégico com o Banco Mundial. Considere, em comparação, as dificuldades para explicar os pormenores da Estética Transcendental de Kant. 

A Crítica da Razão Pura e o Banco Mundial no mesmo parágrafo? Explico-me. Acontece que, neste ano de 1993, Brum Torres era, simultaneamente, meu professor numa disciplina sobre Kant no curso de Filosofia da UFRGS. Cifras vultosas em contratos multilaterais intrincados durante o dia. Os labirintos do Idealismo Transcendental no final da jornada.

Se você, assim como nós, admira profundamente uma vida acadêmica de excelência, unida à competência e integridade da vida política, essa entrevista, conduzida por e-mail entre outubro e dezembro de 2020, vai lhe interessar muitíssimo.

A entrevista tem texto de apresentação de Eduardo Vicentini de Medeiros e perguntas de Vicentini e de Luís Augusto Fischer.

Luís Augusto Fischer – Conta da tua formação inicial: alguma história familiar, aqueles condicionantes à Bourdieu etc.

João Carlos Brum Torres – Nasci em Porto Alegre, fiquei na cidade até os 8 anos, fiz o primeiro ano no Rosário. Voltei aos 15 para estudar no Júlio de Castilhos graças à escolha judiciosa, à sabedoria de meu pai, João Carlos Osório Torres. O choque para quem tinha começado a adolescência em Caçapava foi enorme. A riqueza do colégio era inesgotável. Além dos professores bons como Ivone Paleikat, José Lodeiro, Jaime Back, Dino del Pino, Hugo Ramires, o Major Rui Gonçalves, Aldo Obino, havia os alunos, e os alunos, para minha inexperiência de então, eram um espanto. No dia da aula inaugural de meu primeiro ano, Marcos Faerman me apontou um dos colegas, o hoje Dr. Ricardo Yan, e me disse: esse demonstrou por a+b no quadro-negro que Deus não existe! Ao apontar a um segundo colega, o comentário foi: ele é o ‘sexual’, sabe tudo de sexo, dúvidas é com ele. E havia os marxistas, os ouvintes de música clássica, como o próprio Marcos, a para mim até então desconhecida política intelectualizada e militante, a evidente cultura literária e cinéfila de muitos, dentre os quais Jeferson Barros, que certamente morreu antes da hora. Uma tarde, no térreo do prédio, um colega, se a memória não me trai, Eduardo Machado, olhou para o corredor do andar de cima e me perguntou sobre a figura que falava a um pequeno grupo: sabes quem é aquele ali? Não, respondi. É o Marco Aurélio Garcia, foi a resposta. Sim, e daí?, prossegui, para então ouvir: chegou de Moscou na semana passada! Diante desse torvelinho de informações, do abalo em minha incoativa e precária formação, vi-me logo forçado a tratar de entender melhor a complexidade dessa situação nova, rica e desconcertante. Em meu primeiro ano do Clássico li uns 80 livros, de tudo um pouco, e nesse emaranhado de leituras, a filosofia foi aos poucos se destacando. De uma parte os pensadores católicos, Alceu Amoroso Lima, Maritain, Emmanuel Mounier, de outra parte os primeiros textos de Marx, logo em seguida Sartre e depois Heidegger. Por aí fui.

LAF – Como foi a escolha pela profissão? Entre o Direito e a Filosofia tu ficaste com os dois? Era comum isso?

JCBT – Em Porto Alegre, na minha geração, estudar Direito e Filosofia era bastante comum, como fizeram Ernildo Stein, Marcos Lutz Müller, Balthazar Barbosa Filho, em parte Nelson Boeira, para mencionar amigos contemporâneos. O contexto geral dessa decisão era a percepção do risco implicado em uma formação cuja perspectiva de profissionalização era somente o magistério, e também a influência familiar, pois, como se vê nos nomes que dei como exemplos, nossos pais eram em sua maioria profissionais do direito. Teoricamente os dois campos podem ser aproximados, como torna-se claro pela simples evocação dos conceitos de lei, de justiça, de constituição, ou prestando atenção às bases da distinção entre direito público e direito privado, ou nos direitos individuais, etc. Mas no estudo e na experiência universitária as diferenças são enormes, pois a filosofia é necessariamente especulativa e abstrata, o direito necessariamente positivo e prático. Embora me tenha saído inesperadamente bem no vestibular para a Vetusta, como dizíamos, logo meus interesses principais foram se deslocando para o terreno da filosofia. No entanto, a formação jurídica contribuiu para manter presente e viva a percepção da complexidade da vida social, da vida de relação como então se costumava dizer na escola. E a apresentação da posição positivista de Kelsen pelos professores João Leitão de Abreu e José Neri da Silveira nunca esqueci, até porque no primeiro semestre de 1964 ela soava como uma inaceitável justificativa do golpe de Estado que depusera o presidente João Goulart. Depois, ao dedicar-me à filosofia política voltei a Kelsen, a Carl Schmitt e, num outro registro, à história das instituições e do direito no processo de formação do Estado moderno, temática central de minha tese de doutorado, publicada depois com o título de Figuras do Estado Moderno. O que é dizer, para resumir, que em meus estudos de filosofia prática o direito, ainda que a latere, esteve sempre mais ou menos próximo.

LAF – Qual era o horizonte mental da tua geração? Que figuras, temas, formas, veículos eram o ar da época? Que autores? Eles permanecem como referência para o pensador maduro?

JCBT – Pergunta múltipla e complexa, que respondo redobradamente em primeira pessoa, com minhas impressões e lembranças certamente muito parciais, com ênfases inevitavelmente idiossincráticas. Também não posso deixar de observar que, além dos particularismos de quem fala, o horizonte de uma geração, como todo horizonte histórico, é móvel, se altera não só com o curso objetivo do tempo, mas com os percursos que dentro dele vamos fazendo. Havia muita coisa se alterando no mundo e no Brasil dos anos sessenta aos setenta. Na passagem de uma década a outra, creio que estávamos em parte imersos, em parte confrontados com quatro grandes ordens de problemas: (i) no plano ideológico, o choque proveniente da força do marxismo e da tensão que isso criava com relação às crenças tradicionais e especialmente com a formação católica que então formava a base cultural de todos nós; (ii) no plano propriamente político, o principal era a crítica e o protesto radical contra a passagem do país da democracia, do estado constitucional de direito, para o regime militar; (iii) com relação à ordem econômico-social a nota dominante era a da necessidade de dar continuidade ao dinamismo dos então ainda recentes anos de Juscelino, qualificados, por certo, pelas ideias de que na construção de nosso país a redução das desigualdades econômicas e sociais tinha que ser priorizada, assim como a irrenunciável soberania nacional; (iv) no plano dos costumes, dessa dimensão mais básica da cultura, o mais relevante era formado pelas alterações da moral sexual tradicional, a relativização da ideia do casamento como determinação inexorável de qualquer relacionamento amoroso sério e a difusão da ideia de relações amorosas abertas.

LAF – Quem eram teus colegas nessa jornada da juventude? Podes fazer um retrato de alguns?

JCBT – Aqui também há distinções a fazer. Digamos que, em Porto Alegre, na primeira juventude, havia como que duas bandas: a da vida escolar e intelectual, em que Eduardo Machado, logo mudado para o Rio e para a Fundação Getúlio Vargas, era a referência mais próxima, e, a vida social, na qual o pivô era Carlos Mazeron Fonyat, anchietano, que era quem tinha os convites para as festas de aniversário e as reuniões dançantes. No entanto, depois do vestibular, rapidamente o ambiente universitário fez valer a sua força.  Na faculdade de Filosofia, Aurélio Guerra Neto, depois amigo inseparável dos anos de Paris, orientando de Emmanuel Levinas; Nelson Fernando Boeira, precocemente enfronhado na cultura americana, em contraste com a formação francesa então dominante, e que já então combinava cultura literária, histórica e filosófica; João Pedro Guimarães Barros Cassal, o  humor mais rápido, inteligente e inesperado que jamais vi, amigos também da vida inteira; e ainda Silvio Duncan Bareta, cedo emigrado para os Estados Unidos, Clóvis Grivot, Silvia La Porta, Gina Davila, que partiu cedo demais, Lisia e Niura Dorneles, que traziam o charme e a fina educação das famílias abastadas; Franklin Trein e Eunice,  Marco Aurélio Garcia e Elizabeth Souza Lobo já então cosmopolitas, de vasta cultura política literária, e ainda Índio Vargas, Flávio Koutzi, André Forster, para mencionar os que desde a juventude e pela vida afora se dedicaram à política.

 

Em 1973, em Veneza

LAF – Entre os professores, quem eram os mais notáveis, vista a coisa a distância? Podes fazer um retrato breve dos mais marcantes (para o bem ou o mal)? A força do catolicismo ainda era marcante? Como se expressava?

JCBT – Aqui cabe também distinguir. Na faculdade de Direito tive professores sérios e competentes, como José Neri da Silveira e João Leitão de Abreu em Introdução à Ciência do Direito, Elpídio Paes em Direito Romano, Paulo Brossard em Constitucional, Otávio Caruso Brochado da Rocha, Almiro Couto e Silva em Civil; alguns brilhantes como Barbosa Lessa em Comercial, cuja explicação histórica sobre o surgimento e a formação dos títulos de crédito era extraordinária, e Galeno Velhinho de Lacerda, de grande cultura jurídica e analista profundo do que vai implicado nas regras do processo. Também de Armando Câmara fui aluno, mas já entrado nos estudos filosóficos por outros caminhos, nem sua retórica altissonante, nem o axiotropismo, sua contribuição filosófica pessoal, me impressionaram muito. Em uma aula, diante de uma apresentação do idealismo filosófico que me pareceu grosseiramente psicologista, o interrompi e disse que nenhum filósofo idealista, exceto, talvez, Berkeley, defende a tese de que os objetos da percepção são tão só o conteúdo de estados psicológicos. Tomei uma descompostura em regra e, terminada a aula, fui atrás do professor Câmara e de seus assistentes, os quais, já no pátio da faculdade, o advertiram que eu lhe vinha a falar, o que fez com que ele, então, antes que eu protestasse, me desarmasse ao anunciar que não tinha ouvido que eu dissera “exceto Berkeley”, pois, se tivesse ouvido, teria reagido de outra forma.

Contudo, professores de maior impacto em minha formação, mais próximos e queridos, tive na faculdade de Filosofia: de início, e lamentavelmente por pouco tempo, Ernani Maria Fiori, exemplo não só de eloquência e cultura filosófica, mas de altivez e compromisso com a justiça e com o Brasil, logo vitimado por uma cassação particularmente estúpida e de quem, muito mais tarde, quando já ele retornado a Porto Alegre, tive o prazer e a honra de me tornar um amigo. Vitor de Britto Velho (mais um dessa notável fornada de intelectuais católicos formados pelo padre Werner von und zu Mühlen) foi para mim uma das figuras decisivas desses anos, não só pela fineza das aulas, pela clareza e rigor dos raciocínios, pelo impressionante domínio da filosofia medieval, mas pela nobreza do caráter, pela elegância, vivacidade e alegria do temperamento. Um verdadeiro príncipe, como às vezes dizíamos. Depois, Gerd Bornheim, a impressionante cultura alemã, francesa e inglesa, de enorme profundidade em filosofia, mas que abarcava também a literatura, o teatro e a música. Na verdade, do ponto de vista estritamente filosófico, nada foi mais formativo nos tempos de faculdade do que suas notáveis aulas sobre história da metafísica, dadas ao final da tarde no antigo prédio da faculdade de Filosofia na rua Paulo Gama, que ouvíamos todos sem um pio e com contida e intensa admiração. Também notável era Frei Antônio Cheuiche, formado na Espanha, e que trazia para nosso palco as esplêndidas lições de Ortega y Gasset e os estudos mais técnicos de Xavier Zubiri. Delmar Schneider, jesuíta, com suas lições sobre a Filosofia da História e a Fenomenologia do Espírito de Hegel, e Carlos Roberto Cirne Lima, que entrou para o Departamento quando eu já estava no fim do curso, membro da última geração de neo-tomistas europeus que liam a Santo Tomás reconstrutivamente, baseados em Hegel, completavam o rol dos professores mais distinguidos. Mas havia ainda Gabriel de Britto Velho, inteligência agudíssima, que fizera o secundário em um internato da Suíça, recém-chegado da Alemanha, leitor de Proust e de Valéry, que nos introduziu nos rigores do que talvez se possa chamar de philosophical close reading . Mas, de outra parte, também havia Hugo di Primio Paz, professor de lógica clássica, que nos espantava ao perguntar: Em 35 onde estava o perigo?, para responder de imediato: na Espanha, e eu estava lá! Em 64 onde estava o perigo? No Brasil, e eu estava aqui! Por fim cabe lembrar o Padre Thiesen, jesuíta, autor de uma tese sobre Lenin, defendida em Roma, que maltratávamos, hoje penso que excessivamente.

LAF – Como era o contato da tua turma com o mundo lá fora, quer dizer, o mundo para além de Porto Alegre e do RS? E para fora do Brasil? De alguma maneira o imperativo de migrar para o centro (era o Rio de Janeiro?) não te atingiu?

JCBT – Não, não pensávamos muito nisso, sabíamos da importância da USP, que em Minas também se estudava filosofia, mas havia um sentimento claro de nossa singularidade e uma espécie de autossuficiência, o sentimento que tínhamos força própria e de que no Brasil não havia a quem devêssemos tomar como guias. O fora que contava para nós era a Alemanha ou a França; Louvain ou os Estados Unidos em segundo lugar. 

LAF – E o golpe de 64 e a ditadura, como te pegaram? Te golpearam? Que sonhos foram abandonados, se é que foram?

JCBT – Fiz vestibular e entrei para as faculdades de Filosofia e Direito em 1964, ambas da UFRGS, como então era e foi possível, embora no vestibular para a filosofia eu tenha tido que faltar à prova de francês por colisão de horário com as provas para a faculdade de Direito. E então, de imediato, ainda em março, houve o golpe de Estado e o movimento militar cujo impacto na vida universitária do País foi simultâneo. Na faculdade de Filosofia, a demissão do professor Fiori foi o golpe maior, e na faculdade de Direito o debate com os professores sobre a legitimidade do novo governo foi particularmente intenso, me ocorrendo lembrar uma discussão de Plinio Dentizen, Paulo Odone Ribeiro, Luis Carlos Madeira com o professor Rui Cirne Lima, em que este, ao mencionar um dispositivo legal que remontava aos tempos do Império, ouviu que era isso mesmo que se esperava do novo governo: um retrocesso aos tempos de autocracia que antecederam a república. Politicamente, no sentido mais nobre da palavra, ter testemunhado essa contestação firme e articulada da agressão à democracia brasileira foi uma experiência altamente formadora. Formadora e definitiva.

Em 69 foi outra coisa, pois aos 23 anos, pouco mais de um ano depois de minha nomeação como Auxiliar de Ensino na UFRGS, fiquei sabendo de meu expurgo quando Eduardo Machado bateu em minha porta e anunciou: teu nome saiu na voz do Brasil, tu, o professor Gerd, o professor Ricci, Ernildo Stein, e vários outros professores de outras faculdades foram demitidos por ato da Presidência da República. Surpreendeu-me e honrou-me a companhia, mas a decepção foi grande, pois naquele momento eu estava me inaugurando como professor e fazendo-o com grande intensidade, dando um curso de filosofia da história em que tinha como monitores Marco Aurélio Garcia, recém-chegado da França e com a renovada versão do marxismo elaborada por Althusser, e Aurélio Guerra Neto, encarregado de monitorar a leitura da filosofia da história de Hegel, ficando eu com Sartre e Merleau-Ponty. Testemunhei também então a extraordinária solidariedade dos colegas que se desligaram espontaneamente da faculdade, como Vitor de Britto Velho, Carlos Roberto Cirne Lima, Gabriel de Britto Velho, Frei Antonio Cheuiche e, nas Letras, os que protestaram contra o expurgo do professor Ângelo Ricci, diretor da faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e o nosso, dos quais lembro Dionísio Toledo, Rea Silvia, Maria da Glória Bordini, todos os quais, com grande coragem e ainda maior desprendimento, assumiram o risco de terem findas suas carreiras na melhor Universidade do Rio Grande do Sul. Risco que não tardou a se materializar em suas demissões e nas interdições de lecionar em estabelecimentos públicos por 10 anos, como era a praxe desses ucasses de então. Por fim, cabe ainda lembrar a reação dos estudantes, de Nelson Boeira, Sílvio Baretta Duncan, Franklin Trein e Eunice, que abandonaram a UFRGS e foram se formar e diplomar na Universidade de Passo Fundo, na qual foram generosamente acolhidos. 

Em 1972, na Cité Universitaire, em Paris, com Gerd, Dionísio Toledo, Rea Silvia, Marcos Müller, Valério e Falleiro (Foto: Arquivo pessoal)

No meu caso o resultado foi uma espécie de autoexílio na França, uma virada à esquerda, um interesse vivo pela política que eu até então não tinha e que, vários anos depois, retornado da França e impedido de dar continuidade à vida acadêmica, me levaram, para meu alívio e satisfação ‒ graças ao apoio de Gabriel, à intervenção de seu pai, o então deputado federal Carlos de Britto Velho e a anuência do deputado Paulo Brossard, cujas respectivas  insistências acabaram por vencer a reticência do Simon, posteriormente meu chefe e amigo ‒ a trabalhar no então existente Gabinete de Assessoramento Superior da Assembleia Legislativa, chefiado pelo saudoso Francisco Carrion Jr., e, a partir de então, a ter relações estreitas com o meio político de nosso Estado. Relações que perduraram por muitos anos e que levaram às campanhas políticas, aos planos de governo (de cuja elaboração, aliás, me tornei uma espécie de especialista de plantão), e às atividades de Governo em repetidas ocasiões.

LAF – Alguns anos atrás, conversei por acaso, ao longo de umas duas horas (uma carona em São Paulo) com José Roberto Nalini, juiz e desembargador. Ao saber que eu era de Porto Alegre, contou uma impressão de juventude que me impressionou. Contou que antes do Golpe de 64 esteve em Porto Alegre com um grupo, creio que gente ligada à Igreja católica, talvez universitários de Direito todos, e que guardava daquela visita uma lembrança impressionante. Era um encontro, um evento, ele não soube precisar qual. Disse que, na visão daqueles jovens paulistas em visita a Porto Alegre, os jovens porto-alegrenses com quem eles travaram contato eram muito mais bem preparados do que eles mesmos. Que aqueles jovens gaúchos liderariam a nova geração, tamanho era seu preparo. Não sei se isso te lembra algum evento concreto. Mas a pergunta é: a tua geração, que eu localizo como sendo a que entrou em contato com esses jovens paulistas do Nalini, a tua geração deixou de realizar alguma vocação que parecia ao alcance dela? Se sim, por quê?

JCBT – Pergunta difícil, Fischer, pois não me é claro que vocação tínhamos ou poderíamos ter tido em nossa geração. É verdade que dos nomes que me vêm imediatamente à mente apenas dois podem ser considerados como tendo tido um inegável protagonismo na vida nacional: Nelson Jobim, que foi constituinte, idealizador da Comissão de Sistematização, Ministro da Justiça, Ministro da Defesa, Presidente do Supremo Tribunal Federal, e Marco Aurélio Garcia, conselheiro do Presidente da República, inspirador e, em parte executor, da política externa brasileira nos Governos de Lula. 

E de outra parte, ficando no horizonte do trabalho em filosofia, creio que mantivemos por um bom tempo nossa posição de, junto com São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, sermos um dos principais centros do país. Em termos de obras, Gerd Bornheim e Ernildo Stein foram, sem dúvida, as personalidades de maior reconhecimento nacional. De uma maneira geral, os professores que mencionei acima não tinham a publicação como um objetivo pessoal, nem entendiam o magistério como devendo ser necessariamente associado à produção bibliográfica, a uma carreira literária. No que concerne à dimensão política e institucional da comunidade filosófica brasileira, Balthazar Barbosa Filho foi, por muitos anos, uma referência e uma liderança nacionalmente reconhecida. Dentre os que vieram ligeiramente depois, no que concerne a publicações, Denis Rosenfield foi quem foi mais longe, primeiro com obras publicadas não só no Brasil, mas na França e no México, e depois, e até hoje, com uma produção publicística situada à direita do espectro político, de inegável repercussão. No meu caso pessoal, não obstante a interrupção da carreira de 69 a 79, quando voltei à Universidade graças à lei da Anistia, publiquei três livros, organizei um quarto e publiquei numerosos artigos, que pretendo organizar um duas coletâneas: uma coligindo meus escritos sobre Kant, outra sobre filosofia política.  

LAF – Como foi a ida para a França? Por que não ficaste para o doutorado por lá? Não seria esperável?

JCBT – Sim, era. Mas embora eu tenha sido magnificamente acolhido por François Châtelet, a amizade não implicou propriamente uma orientação e trabalhei solitariamente sobre a obra de Marx. Trabalhei em uma perspectiva nada ortodoxa e sem guias, pois minha análise não era nem althusseriana, nem seguia as reconstruções semi-hegelianas da obra de Marx, como a de Giannotti, ou Rui Fausto. Além disso, Vincennes, Paris XIII, era um lugar universitário disruptivo, uma espécie de Maio de 68 permanente e serôdio, em cujo contexto a produção propriamente acadêmica era secundária. O que, devo reconhecer, num certo sentido se afinava com quem tinha tido cortado seu vínculo com a Universidade brasileira. Mas também me dispersei, a vida afetiva foi complexa e emocionalmente exigente, a política também ocupou seu lugar. Minha primeira publicação foi em francês, um artigo sobre o desenvolvimento econômico e político brasileiro em um número sobre a América Latina da revista Critiques de l’économie politique, organizado por Pierre Salama, amigo que é um conhecido especialista francês no estudo das vicissitudes da economias latino-americanas, artigo que teve, aliás, um considerável sucesso na nossa diáspora de esquerda. Por fim, mas não com menor importância, a bolsa de estudos acabara e o sentimento de viver à margem da verdadeira sociedade francesa me pesava e me fazia desejar voltar ao Brasil. Daí que o doutorado só tenha vindo a ser feito quando retornado à vida acadêmica, no início dos anos 80. Mas preciso insistir em que o período passado em Paris foi extraordinariamente formador e inesquecível, aqueles foram os anos de minha mais plena e assumida juventude!

LAF – Tu tiveste ao menos três experiências como secretário do poder executivo, certo? Uma na prefeitura, com o Tarso Genro, depois duas no governo estadual, com distintos governadores, ambos do PMDB. Como é ter essa dupla militância, de homem de pensamento e de homem de ação? Como convivem em tua subjetividade as duas dimensões? Uma interfere na outra? Teu pensamento, tua forma de abordar a tradição filosófica mudou pelo contato com trato diário do poder político?

JCBT – Nossas vidas, Fischer, certamente as fazemos e isso é o que torna todo ser humano autor de pelo menos um romance: o da vida que inelutavelmente lhe cabe ou coube fazer. Mas como Sartre explica espetacularmente, esse traçado biográfico, que é inteiramente nosso e de que temos responsabilidade integral, o construímos a partir do que fizeram de nós. Do que foi o tempo histórico no qual estivemos e estamos imersos, do tipo de sociedade a que pertencemos, da posição que nela ocupamos, da família de onde viemos, da língua que falamos e, num plano menos estrutural, mas cuja incidência no desenho da linha biográfica não é menor, da sequência dos eventos que nos são dados a viver.

Digo isso porque a dupla militância que mencionas, sem deixar de ser uma escolha, foi escolhida em função de condicionantes históricos mais gerais, como os mencionados acima, e cujos impactos seria longo enumerar (há mais de 2 mil páginas no estudo de Sartre sobre Flaubert que decidiu levar até o fim uma explicação desse tipo), mas também de acontecimentos. Quero dizer que, não fosse o expurgo dos professores da UFRGS em 69, provavelmente eu teria tido uma carreira acadêmica menos acidentada, mais convencional, com maior número e talvez melhores escritos. 

Mas, como disse acima, logo depois daquele evento a política passou a ser para mim uma preocupação principal (por pelo menos três anos participei em Paris de um grupo de discussão política coordenado por Michel Löwy). De volta ao Brasil, como disse acima, impedido de voltar à Universidade, fui para a Assembleia, e disso resultou uma rede de conhecimentos e aquisição de competências em análises políticas e econômicas que, posteriormente, ensejaram as repetidas nomeações para cargos político-administrativos. 

Quanto à participação nos governos do PMDB e do PT, para o contexto político de então, isso foi mesmo uma excepcionalidade e o episódio tem lá suas surpresas. E tem também um mérito, que não é em absoluto meu, mas do exemplo do que foi um raro episódio de largueza de espírito de nossas principais lideranças políticas, de disposição para dar trégua a conflitos que já eram agudos e que desde então lamentavelmente se tornaram insuperáveis em nossa vida política. Uma das singularidades do episódio é que foi Denis Rosenfield, então próximo do prefeito Tarso Genro, quem lhe sugeriu meu nome. Sondado, consultei meu grande amigo André Forster, Presidente da Fundação Ulysses Guimarães, e nosso presidente, Pedro Simon, que ambos concordaram com o “empréstimo”. A foto de minha posse mereceria ser melhor conhecida, pois lá estão, além do prefeito Tarso, Lula, Olívio, Pedro Simon, José Fogaça, André Forster, João Gilberto Lucas Coelho, José Fortunati, Hélgio Trindade, para citar só os que me vem prontamente à memória. 

Em Washington EUA), no Banco Mundial, Brum Torres (E) e o então governador do RS Pedro Simon (D) durante assinatura do Programa Integrado de Melhoria Social (Foto: Arquivo pessoal)

No entanto, para voltar a tua pergunta e conter as digressões, devo dizer que procurei nunca misturar as duas carreiras. Política e filosofia não se dão bem. Basta ver, de um lado, o injusto desprezo de Platão pelos grandes estadistas atenienses, e, de outra parte, Górgias dizendo a Sócrates que filosofia é boa na juventude, não coisa para manter-se afastado da Ecclesia, dos lugares onde os homens ganham lustro. E isso é assim, pelo menos em parte, porque o tempo da política é pouco compatível com a busca de elementos normativos ideais e porque a filosofia trabalha sobre os fundamentos, trabalho este cujo efeito percola na vida quotidiana lentamente, a despeito do caso excepcional das grandes teorias do contrato social que estiveram na raiz das revoluções americana e francesa. 

Mas, de outra parte, mantive as duas atividades separadas por certo respeito e pudor com relação às exigências dos estudos propriamente acadêmicos, que penso não serem compatíveis com as elaborações de circunstância que são próprias do dia a dia da política.

Eduardo Vicentini de Medeiros – Você poderia nos dizer das motivações para propor o conceito de ‘performativos de risco’? E ainda neste contexto, considerando o volume de informação que temos, por exemplo, na História, na Ciência Política e na Sociologia, sobre o comportamento dos agentes políticos, você diria que há um espaço inescapável para o imponderável, para o imprevisto, e, por conseguinte, para o risco na política?

JCBT – A origem dessa expressão encontra-se, em Austin, em sua análise do que vai envolvido na força ilocucionária de um performativo. Nessa análise, o ‘taking up’ do enunciado é um momento essencial, cabendo distinguir entre contextos institucionalmente ligados e os que não o são. Em uma cerimônia de casamento, o oficiante ao dizer: ‘eu vos declaro marido e mulher’ realiza uma ação, casa os nubentes. É claro, no entanto, que essa ação, cuja efetuação tem lugar mediante o que diz o oficiante, depende da institucionalidade religiosa ou civil que lhe confere os poderes sacramentais necessários para realizar legitimamente o casamento; ou, no caso do casamento civil, ao oficial do cartório de registro civil cujos poderes para realizar os matrimônios lhe são atribuído pelo ordenamento jurídico. No entanto, há muitas situações em que atos performativos são realizados sem que haja esse contexto institucional assegurador do ‘taking up’ das declarações. O caso mais conspícuo é o das declarações políticas, notadamente das declarações de independência, como é o caso, por exemplo, da declaração de independência dos Estados Unidos, ao proclamar:

“Nós … os representantes dos Estados Unidos da América, reunidos em assembleia plenária, tomando o Juiz Supremo do mundo como testemunha da correção de nossas intenções, em nome e por delegação do bom povo destas colônias, afirmamos e declaramos solenemente: “Que estas colônias são e devem ser de direito Estados livres e independentes; que elas estão libertas de toda fidelidade em relação à Coroa Britânica…”.

Com tal declaração estão a realizar uma ação subversiva, institucionalmente não ligada e dependente não só da aceitação do declarado pelos colonos, mas também, muito mais indeterminada e arriscadamente, da Coroa Inglesa, o que só veio a ocorrer muito depois. Mesmo assim, essa declaração de independência constituiu os Estados Unidos da América, sendo patente, porém, que o enunciado por meio do qual o ato se fez, foi um performativo de alto risco, pois sua força ilocucionária era dependente do ‘taking up’ não apenas dos colonos, mas da Coroa inglesa.

EVM – Há exatos três anos atrás, em uma entrevista para a UCS TV, você menciona o fato de que o sistema partidário brasileiro estaria “viciado por uma relação não republicana entre o setor público e o setor privado.” O mais recente ciclo eleitoral no Brasil trouxe alguma novidade para este contexto? O clima para uma reforma política se alterou de 2017 para cá?

JCBT – Estruturalmente, tenho muitas dúvidas, pois a corrupção política no Brasil, além de endêmica, mostra-se extremamente resiliente, como se vê no grau extremo do que aconteceu e acontece no Rio de Janeiro. Na última divulgação do Corruption Perceptions Index (CPI) há 105 países percebidos como menos corruptos que o Brasil e 74 com mais corrupção que o nosso. O fenômeno é complexo e ocorre em escala global. Em um livro recente (Branko Milanovic, Capitalism Alone, Harvard University Press, 2019) é reportado o caso do vice-chefe da Comissão Militar Central do Partido Comunista chinês, no porão de cuja casa foram encontrados mais de uma tonelada de renminbis, euros e dólares que precisaram ser transportados em cinco caminhões militares, quantia bem superior aos 40 milhões de reais encontrados no aparelho do ex-ministro Geddel Vieira Lima em Salvador. Não obstante esse caso extremo, a China está melhor colocada que o Brasil, pois está ranqueada como o septuagésimo país mais corrupto dentre os 180 analisados.

O mais importante, porém, é que em um país que é classificado como o sétimo mais desigual do mundo, com a pior situação das Américas, só melhor do que 6 países africanos, sujeito a restrições fiscais severíssimas e carências de infraestrutura enormes, esse desperdício de recursos é um crime de grande perversidade, que precisa ser combatido com rigor e denodo. 

No entanto, mais importante do que a corrupção são os problemas estruturais de nossa sociedade, o mais grave de todos não sendo como se apregoa massivamente, nem a corrupção, nem o déficit público mas uma organização da sociedade constitutiva e escandalosamente injusta. 

EVM – Suponho que editar o excelente Manual de Ética: Questões de ética teórica e aplicada, publicado em 2014, tenha sido um trabalho gigantesco. Como você avalia a recepção desta obra no meio acadêmico? Planos para uma nova edição? 

JCBT – O trabalho de coordenar a elaboração de 37 especialistas, vinculados a 20 instituições, obter um financiamento do BNDES, para cuja obtenção, aliás, não pesou pouco a recomendação do Senador Simon, propor temas a colegas de muitas subáreas do grande universo da filosofia moral foi, de fato, uma operação complexa. Complexa foi também a discussão com a editora Vozes sobre a revisão do livro, que só pude acertar quando, retornado dos Estados Unidos em 2014, fui a Petrópolis para tratativas finais. A recepção acadêmica do livro foi positiva, mas, do ponto de vista da divulgação, modesta, como, aliás, costumam ser as recepções de livros de filosofia em nossa comunidade. Na verdade, um dos desafios que precisamos vencer, nós, digo, os dedicados profissionalmente à filosofia no Brasil, é o de nos levarmos a sério. Quanto a uma nova edição, creio que pode esperar, pois distribuímos gratuitamente mais de 6 mil livros a todas as bibliotecas universitárias e bibliotecas públicas do país, o que, convém fazer notar, por si só exigiu um trabalho considerável em que Daniela Bortoncello, a notável secretária do Programa e Pós-Graduação em Filosofia da Universidade de Caxias do Sul, realizou com a proficiência de sempre. 

EVM – A oposição que se costuma traçar entre filósofos analíticos e continentais em algum momento foi importante para a tua pesquisa? Ou é um ranço que perdeu a razão de ser?

JCBT – Bem, importante foi, embora eu nunca tenha tomado essa divisão de estilos e temas como uma rivalidade contendo opções a serem feitas terminativamente. Neste sentido, Balthazar Barbosa, que foi o responsável pela apresentação convincente da filosofia analítica para muitos de nós, foi um guia excelente, porque tampouco ele, versado como era, desde Louvain, nos desenvolvimentos da filosofia analítica, jamais renunciou ao estudo rigoroso dos autores clássicos que formavam sua imensa cultura filosófica.

EVM – Quais livros estão na fila de espera nas tuas próximas leituras?

JCBT – São vários, na verdade muitos, Eduardo. Tiradas as horas de sono, creio que o que mais fiz em minha vida desde os dez anos foi ler. Não, por certo, unicamente livros, mas jornais, revistas, relatórios, atos administrativos, atas, papers científicos, textos legais, contratos, entrevistas, legendas, anúncios, cartas, bulas e agora, mais recentemente, mensagens de e-mails, de WhatsApp e também livros, é claro. Dentre estes, a ler ou a reler, os mais próximos têm a ver com a ideia de escrever um ensaio, eventualmente um pequeno livro, sobre o ponto em que estamos neste início de século XXI, algo como um diagnóstico de época, pois estou convencido que nos encontramos em meio a mudanças em dois estratos de alteração epocal, para valer-me da distinção de Braudel entre as temporalidades diversas que delimitam estratos superpostos de mudança histórica. O primeiro, em um nível de desdobramento intermediário, distinto de ciclo mais superficial das mudanças de governo, das modas, das notícias diárias dos jornais impressos, radiofônicos, televisivos ou da Internet, é o do ocaso da hegemonia incontrastada do par neoliberalismo/globalização-desregulada que prevaleceu no mundo desde o final dos anos 70 e cujos atos inaugurais foram as ações dos “Chicago boys” no governo de Pinochet, a desmontagem parcial do estado de bem-estar social construído no pós-guerra, durante os chamados 30 [anos] gloriosos, por Margareth Thatcher e Ronald Reagan, a revolução dentro da revolução chinesa feita por Deng Xiaoping. 

O segundo, de desdobramento mais longo e de impactos mais profundos, está associado à substituição do trabalho humano por trabalho de máquina, de trabalho vivo por trabalho morto, para usar os termos de Marx, que ocorrerá não mais, como até o momento, tão só nas atividades industriais, mas que avançará sobre a área de serviços, graças ao desenvolvimento da inteligência artificial. Embora não tenhamos sondas que nos deem segurança na prospecção do futuro, parece evidente que efeito dessa transformação e redução da participação humana na produção de bens e serviços será a radicalização da sensação que hoje começamos a ter que há gente demais, que gente é um estorvo, processo este que muito provavelmente estará combinado com a transformação das atuais pirâmides etárias em figuras cada vez mais claramente paralelepipédicas, ou cilíndricas, devido aos controles de natalidade e aos aumentos das expectativas de vida em decorrência dos desdobramentos da biologia molecular e da bioengenharia. Na situação social que, a mais longo prazo, se desenha em decorrência dessas transformações, é muito plausível pensar que, além das já aludidas alterações nas formas de trabalho, ocorrerá não apenas a redução das jornadas, mas também uma mudança profunda nas formas de estruturação de nossas vidas, pois a ideia de uma trajetória profissional como elemento fundamental de nossos traçados biográficos tenderá a desaparecer. 

Leituras, para dizer algo sobre o primeiro dos estratos que acabei de distinguir, são os livros de Ulrich Beck, de Paul Collier, de Branko Milanovic, Manuel Castells, Thomas Piketty, H. Geiselberger, Zygmunt Bauman, O. Nachtwey, W. Brown. Sobre o segundo e mais profundo desses estratos, o primeiro passo é olhar para os futurologistas, Ray Kurzweil à frente, e para os analistas e pensadores do meio ambiente que ainda preciso mapear melhor; o segundo olhar devendo dirigir-se aos desconfiados e críticos, a começar com clássicos como Hans Jonas e, em um nível mais fundamental, com Heidegger.

Mas voltando à tua pergunta, Eduardo, fora das explorações a que acabei de aludir, como literatura especificamente filosófica, à mão estão J. A. Giannoti, Heidegger/WITTGENSTEIN Confrontos e o maciço Tho Logical Alien – Conant and his Critics, editado por Sofia Miguens (Harvard University Press, 2020, 1069 pp.).

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