Entrevista

Mirna Spritzer – Na maturidade, criar e ousar

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Mirna Spritzer – Na maturidade, criar e ousar Mirna Spritzer em A mulher de Lot (Foto: Katia Bressane)

Não há uma área da produção cultural em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul que passe incólume pelas agruras de viver aqui – aqui quer dizer nesta terra, que é esta e não é outra, naturalmente, mas que se define muito em função de outras.

Ficou difícil essa introdução. Ficou? Pois é isso mesmo: num país ultracentralizador, é sempre complicada a tarefa de criar cultura fora dos centros hegemônicos. Nunca se sabe se a coisa tá de fato boa – e a tentação de pedir licença para o tal centro é sempre grande.  

Esse nó muitas vezes significa um verdadeiro emparedamento, mas noutras se transforma em patamar de criação. É assim na literatura, quando por exemplo muitos cobravam de Erico Verissimo os motivos por que não se mudava para o Rio; é assim na canção, quando gente de alta qualidade (ponha aqui o nome que lhe ocorrer) dá com a cara na porta global mesmo fazendo um grande sentido para seus ouvintes sulinos.

Agora imagina no teatro. Essa arte velha, ancestral, que vive da palavra falada e do gesto ao vivo: como é que se faz para compor sentido aqui e agora, quando o aqui está tantas vezes olhando para o lá adiante? 

Tudo isso serve para entrar na conversa que tivemos com a Mirna Spritzer, uma atriz de primeira qualidade, que vive e trabalha aqui, ao alcance de um papo ao vivo, à distância de uns poucos metros entre plateia e palco. Ela não se queixa de nada dessa condição local, fique claro; mas sua trajetória faz pensar no tanto que ela estaria fulgurando entre as estrelas centrais brasileiras. 

A entrevista foi feita por escrito, em junho.

Parêntese – Como é a vida de uma professora de artes cênicas na pandemia? Que angústias tu tens que o comum dos mortais nem sonha existir? 

Mirna Spritzer – Artes cênicas são artes da presença. Presença de artistas e público juntos criando o acontecimento artístico. Quando essa presença é impossível, sim traz muita angústia. Porque uma aula de teatro é teatro. Tive a experiência de uma disciplina na Pós-Graduação no início da pandemia. Teria sido feita de encontros práticos na Sala Alziro Azevedo, palco do DAD [Departamento de Arte Dramática, do Instituto de Artes da UFRGS], palco icônico onde gerações de artistas da cena de Porto Alegre deram seus primeiros passos. Ali eu teria proposto pensar as escritas de si em palavras no papel e em corpos no espaço. Exercícios de improvisação, de jogos em grupo, de conversas coletivas. Ao transferir para a plataforma virtual foi preciso criar outra coisa. Foi um exercício de cinco encontros baseados nessa perturbação e nas possibilidades de transformá-la em algo tão poderoso como o encontro presencial. Com a colaboração do grupo, criamos através das câmeras, criamos usando o microfone sem as câmeras, e investiguei as ferramentas que me permitiam compartilhar textos, vídeos e cenas. As escritas foram desenvolvidas e transpostas para voz, assim como alguns textos de referência. Foi lindo. Sempre é. Em especial porque estar juntos nesses momentos tornava a experiência ainda mais intensa. Mas compreender que as práticas de teatro que constituem as aulas não existem nesse modo remoto é sim muito angustiante. E um desafio imenso.

P – Tua ideia de fazer do teatro a tua vida, a tua profissão, nasceu quando e como?

MS – Nunca soube responder essa pergunta com exatidão. Há quem diga que quando a gente percebe o início é porque já estava no meio. Não lembro de ter tomado essa decisão, tenho a impressão de que uma outra Mirna foi criando espaços pra que isso acontecesse. Talvez a montagem de Quem casa quer casa no ano do vestibular. Talvez antes disso nas brincadeiras, em casa, sendo a atração. O fato é que tenho uma forte sensação de que sempre soube em algum lugar de mim que eu seria atriz, foi só o tempo de desvelar. Entrei na UFRGS em 76 na memorável Faculdade de Arquitetura, mas já na inscrição do vestibular coloquei o DAD (Departamento de Arte Dramática) em segunda opção. E me senti tentada a inverter. Mas ali a boa moça do Bom Fim falou mais alto, era ainda um passo muito ousado que eu só tomaria algum tempo depois. No ano seguinte entrei no DAD. E por um tempo fiz os dois cursos porque naquele tempo a universidade permitia isso. O bar da Arquitetura não era um lugar fácil de abandonar. E nem as aulas com o professor Curtis e tantas outras pessoas incríveis. Mas, em 77, Jairo de Andrade e Marlize Saureesing resolvem criar um grupo de teatro amador dentro do Teatro de Arena de Porto Alegre, o Grêmio Dramático Açores. Ali comecei assumidamente uma vida no teatro. Começamos muitas e muitos, Sérgio Lulkin, Pedro Santos, Marco Sório, Ine Baumann, Rebeca Litvin, dirigidos por Carlos Cunha Filho, João Pedro Gil, Augusto Hernandez e Luciano Alabarse. 

Um edifício chamado 200 (Foto: Cláudio Etges/Divulgação)

Eu fui selecionada para Um edifício chamado 200, de Paulo Pontes, direção de João Pedro Gil. A estreia foi no então Seminário de Viamão, hoje Tecnopuc, no dia 7 de novembro de 77. Comecei de baby doll, montada nas costas do incrível Odilon Lopes, dizendo,” te dou minha bunda, Gamelinha…”. Isso para um público atônito de noviços. Desde então, estive poucas vezes fora do palco. E tudo se mistura, teatro, aulas, vida, amor, maternidade. Uma mulher de Áries vê tudo como impulso. E o ascendente em Leão liga todos os refletores. “O teatro com um palco vazio, aí está a emoção, o calafrio, o êxtase”. Essa frase é de Fellini, iniciava um espetáculo do Teatro Vivo com ela.

[Continua...]

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