Entrevista

Nei Lisboa – “Neutro é xampu de bebê”

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Nei Lisboa – “Neutro é xampu de bebê” Nei Lisboa (Foto: André Feltes)

Um grande gosto saber que vem vindo obra nova do Nei Lisboa. Figura que está na cena há décadas, sempre encontrando eco no público, o Nei faz parte da melhor Porto Alegre possível. Não é? Faz uma seleção do que vale a pena e lá estará sua obra.

Nei faz parte essencial da geração que finalmente validou uma dicção local urbana na canção. Sim, houve muita gente antes dele, gente de valor, desde Octávio Dutra, que não era um cancionista mas divertiu multidões nas primeiras décadas do século (como o Arthur de Faria tem nos mostrado), passando por Lupicínio Rodrigues e chegando à geração dos festivais sessentistas. Mas foi com Nei, Nelson, Bebeto, Vitor Ramil, Gelson Oliveira, Totonho Villeroy e as turmas do rock, em seguida e até hoje, que a gente passou a ouvir o que a gente fala condensado, reprocessado, estabilizado em canções imorredouras. 

E foi assim: mandamos umas perguntas por escrito, e por escrito o Nei mandou as respostas – quem nunca viu vai ver o luxo do texto do Nei. O novo trabalho (não é mais disco) se chama “Pandora”, aquela caixinha mitológica de onde sai tudo e mais um pouco, mas que retém o para alguns grande mal da humanidade, a esperança.


Parêntese – Trabalho novo, nestes tempos novos. Como é conceber, produzir e fazer circular um trabalho novo neste tempo em que não tem mais CD como veículo importante? Faz diferença para o criador?  

Nei Lisboa – Vou descobrir por inteiro agora, é meu primeiro trabalho que sai apenas no digital. Já vinha no processo de valorizar o meio, com toda a discografia no Spotify, mas agora realmente é um adeus ao CD em troca das plataformas e das playlists. E ali a entrega para o público se dá via um serviço, não um objeto palpável. É a mesma canção que se gravou, que se compôs no violão, mas a relação do ouvinte com ela fica bem volátil e desapegada do conceito de álbum que para minha geração foi tão afetivo. Sem falar que a disponibilidade de toda a música do mundo através de uma assinatura dilui por si só qualquer romantismo. Deve se estar já compondo de forma particular para esse universo, mas não sei dizer como é. Alguma ansiedade, quem sabe, em capturar nos primeiros acordes a atenção do ouvinte, que facilmente se dispersa. Ou, com o mesmo objetivo, uma primazia do estranhamento, da originalidade compulsória e da segmentação extrema.

P – E diz aí como é este material. Coisa nova? Reciclada? Visitação aos infernos pandêmicos e bolsonáricos? Canções de amor? 

NL – É um EP, de nome Pandora, com cinco canções inéditas em disco, feitas de 2018 pra cá. Algumas já bem rodadas no palco, outras não. Todas, de formas diversas e explícitas, se vinculam a essa era de desgraças fora da caixa. Uma de nome “Foi você quem convidou” cutuca a memória de quem votou para o fascismo. Outra é um aporte, por assim dizer veterinário, à adjetivação que já se compilou sobre o Bolsonaro. Mesmo uma canção de amor que, sim, lá está, fala sobre o amor nos tempos do coiso. E o conjunto carrega uma boa dose de ironia e de animação, foi feito pra se cantar, rir, dançar e compactuar com quem esteve sempre do lado da resistência. Então, se trata de reafirmar uma posição e de desopilar um pouco o que fomos obrigados a aturar nesses últimos anos.

P – A tua obra – sim, podemos dizer que se trata de uma obra, até mesmo uma Obra – tem uma relação interessante com os contextos de produção. Tuas canções nunca, ou quase nunca, abordam diretamente fatos, mas sim climas de época, temperaturas de época. Te parece algo assim? E te satisfaz que assim seja? 

NL – Acho que uma peneirada mais funda mostraria que já falei muito de subjetividades, desamores e elucubrações variadas de forma atemporal. Mas tenho mesmo uma veia para a narrativa do contexto social, como que tentando um registro jornalístico de sentimentos contemporâneos. Como sou filho poético dos anos 70, isso se dá com frequência entre parábolas e metáforas, distante da objetividade que é hoje vigente. Gosto que seja assim, claro, ou abandonaria esse artesanato trabalhoso. Ainda assim, eu mudo, lento e é tudo, como diria o xará Duclós. 

P – Conta um pouco, por favor, de como tu vê, agora, na maturidade, aqueles verdes anos iniciais da tua carreira. Te dá gosto rever aqueles trabalhos? Tu tem reparos a fazer?  

[Continua...]

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