Crônica | Parêntese

Feng shui

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Feng shui

Primeiro que não sei como se pronuncia isso. Já ouvi feng shui mesmo, assim como se escreve, e até fonchuêi. Credo. Então, se não sei nem o nome da coisa, já é de se esperar que não sei como a coisa funciona. E sempre tem o povo entendido, o povo que dá dicas.

Então aconteceu que no fim de 2020 eu me mudei. Saí de uma kitnet pra um apartamento de 2 quartos. Pra minha surpresa, eu enchi um apartamento de 2 quartos com o que tinha numa kitnet. Como eu conseguia viver numa kitnet com tudo aquilo? Um freezer teve que ser vendido. Um freezer, que cabia na kitnet, não encontrou lugar no ap maior. Não me pergunta como.

Casa nova, freezer fora, ajeita tudo, coisa boa, adoro esta parte dos móveis, de escolher a disposição deles, ficou como eu gosto. Até vir a primeira visita: “Mas essa posição da tua cama não tá certa. Ela tá com a cabeceira pra oeste, o correto é ficar pra sul, tem que virar ela assim” (ou algo parecido com isso). Desculpa??? Desculpa não ter consultado a rosa dos ventos na hora de montar minha casa. Virei. Sim, virei a cama.

Outra visita: “O que essa tua cama tá fazendo com os pés apontando pra porta? Isso vai levar embora toda a tua energia”. Mas não tinha que ser pro tal do sul? O sul é ali, uma outra amiga me ensinou. “É que isso é relativo, tem que se ligar na posição dentro do quarto”. Aí assim: dentro de 4 paredes, tem 3 jeitos de colocar, numa parede, numa outra parede e debaixo da janela. A quarta parede tem o guarda-roupas, ao lado da porta, fica inviável.

Ah, não. Debaixo da janela, não. Por quê? Porque não é bom. Também não é bom na parede que faz fronteira com o banheiro. Também não com os pés apontando pra porta. Também tem que deixar espaço dos dois lados, não pode encostar a cama na parede, tem que deixar o redor dela livre. Aí minhas dúvidas seriam: tem alguma coisa que pode? Vocês têm um regimento, uma coisa que explique direito esse troço de norte-sul ou porta-parede? Quem ganha, afinal? Qual é o critério de desempate? Ou então não é melhor desencanar dessa coisa de quarto? Sei lá, deixa pra lá, pra que ter quarto?

Ou quem sabe eu contrato um exorcista pra morar comigo, ele vê a energia ruim, a energia trancada e pá! Levanta o crucifixo, manda um latim e eu durmo. Pode ser? Porque eu até já vejo vantagens em morar com um exorcista, às vezes vêm uns demonho aqui na inconveniência, bater papo na hora errada, aí ele já podia fazer um trabalho também, me evitaria o constrangimento da vassoura atrás da porta pra mandar visita chata embora, porque todo mundo já conhece esse feitiço, o exorcista eu posso disfarçar melhor, qual problema de ter alguém empunhando uma cruz e falando em latim dentro da minha casa?

Porque tá ficando muito difícil pra mim, já tem alguns meses que moro no ap novo e confesso que tem algumas noites que durmo muito mal e penso se seria a posição da cama. Desde 1978 que eu durmo mal, mais precisamente, desde às 20h15min do dia 18 de julho de 1978, que foi quando saí da barriga da senhora minha mãe. Nada impede que tudo tenha sido problema desde sempre da cama mal posicionada, né? E mesmo que alguma amiga da minha mãe tenha dito “O berço vai ficar nessa posição?”, é fato que SIMPLESMENTE NÃO SOBROU posição adequada pro berço, tal qual aconteceu com a minha cama ao longo de décadas de insônia.

As plantas. Tem que encher tua casa de plantas, Ana. Enche esse teu muro aqui de trepadeira, vai ficar lindo. Coloca uns vasos aqui, com flores, outros ali, tu tem espaço, coloca espada-de são-jorge. O meu ap é no térreo, tem um pátio de DEZESSEIS METROS DE COMPRIMENTO, não é modo de falar, são 16 metros, seriam esses metros de trepadeira pra eu cuidar pra não virar um matagal. Aí quando eu questiono quem vai cuidar da selva, pois eu não tenho paciência pra isso e viajo muito, ficam brabas comigo. “Seria pro meu bem ter plantas.” Pro meu bem? Na irritação que vai me dar aquelas coisas crescendo e se enroscando? Eu tava era pensando em chamar um grafiteiro pra fazer uma arte na minha parede, e as pessoas querem que eu adote diversos seres vivos e me torne responsável pela vida deles do nada. Não. Ou então que eu encha de plantas e fique pensando EM PLANTAS quando fico 3 meses fora de casa, o que acontece muito, me ocupando de “a lá as coisa morrendo dentro da minha casa enquanto tô aqui me divertindo”.

Eu não entendo dos objetos e suas posições, de modo geral. Agora, tem um elemento, que é o meu dedo do meio, que quando coloco ele em determinada posição, resolve muita coisa na minha vida, até espanta uns exus. E dá uma paz pra dormir NA BOA, que nem te conto.

Ana Marson nasceu em 1978, em Porto Alegre. É mestre em literatura brasileira pela UFRGS, viveu em São Paulo de 2008 a 2016 e atualmente mora em Florianópolis. Trabalha como revisora de textos e designer instrucional. Publicou A cobra da laranjeira – crônicas muito azedas, crônicas, 2017, pela Consultor Editorial.

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