Filosofia na vida real

Até que a imaginação os separe – Cena 3

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Até que a imaginação os separe – Cena 3 Tu não te moves de ti de Hilda Hilst Há livros que operam como ímãs para o leitor curioso. Na falta de uma teoria articulada, lanço mão da categoria “livros que dão um nó”, da qual Tu não te moves de ti é um espécime exemplar. Não vou deitar palavrório com hipóteses que conectem suas três partes: Tadeu (da razão), Matamoros (da fantasia) e Axelrod (da proporção). Cada uma delas, separadamente, poderia servir aos nossos propósitos, a saber, como ambientes de exploração das representações do casamento na ficção de Hilda Hilst.  O singular triângulo amoroso-erótico de Matamoros, Meu e Haiága é um banquete para psicanalistas ou antropólogos. Para quem curte metáforas desbragadas, Axelrod Silva não decepciona ao penetrar imaginativamente o “vaginão da História”, quando de seu provável retorno à casa paterna. Mas escolho o desencanto de Tadeu no seu casamento de três décadas com Rute, um dos temas da primeira parte. Já disse e repito: não farei resenhas ou resumos. No caso de Tu não te moves de ti não saberia nem como fazê-lo. Ou mesmo se é possível ou desejável. Invariavelmente, ao ler tentativas nessa direção na literatura secundária, fico com a mesma impressão: tá faltando algo aí!  A escolha por Tadeu (da razão) atende igualmente facilitadores empáticos. Que filósofo não fica intrigado com este “da razão” no subtítulo? Isca certeira! E temos a figura do empresário Tadeu que, nariz torcido para a rotina de balancetes e metas, prefere dedicar seu tempo à escrita poética e considerações metafísico-existenciais. Outro poderoso gatilho autobiográfico. Além disso, certas intervenções dialógicas de Rute me fazem recordar conversas desairosas com ex-mulheres.  Interrompo as comparações com Tadeu pra vocês não pensarem que, com o pé no átrio da meia-idade, também eu andaria inspecionando com atenção redobrada o mapa das saídas de emergência de um casamento que avança pro buraco. Vai que a patroa leia essas notas e me exija explicações! Estamos apenas no primeiro terço da caminhada de “Até que a imaginação os separe”, mas já é saliente a figura do casamento como um laboratório para o autoconhecimento propiciado pelo relacionamento conjugal, seja ele íntimo e estável ou distante e em frangalhos. Conhecemos a nós mesmos através da relação com outras pessoas. Quando essas outras pessoas são mais do que amigos, são amantes, um eficiente fermento é adicionado à receita. Já observamos a dinâmica de autoconhecimento entre Ricardo Lísias e sua ex-mulher em Divórcio, e entre a narradora e Paulo em Nada a dizer. Como este processo ocorre em Tadeu (da razão)? Felizmente temos pistas da própria Hilda Hilst, em uma entrevista com Léo Gilson Ribeiro, quando do lançamento de Tu não te moves de ti, em 1980, e registrada no inescapável Fico besta quando me entendem: LGR Mas no seu livro o grande industrial, o capitalista Tadeu, tem um vislumbre dessa infinita gama de “eus” que ele pode viver, fora daquele eu desesperado que ele vive em meio a festas sociais ocas, junto de gente vazia, cheia de dinheiro, sexo e poder, mas sem […]

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Tu não te moves de ti de Hilda Hilst Há livros que operam como ímãs para o leitor curioso. Na falta de uma teoria articulada, lanço mão da categoria “livros que dão um nó”, da qual Tu não te moves de ti é um espécime exemplar. Não vou deitar palavrório com hipóteses que conectem suas três partes: Tadeu (da razão), Matamoros (da fantasia) e Axelrod (da proporção). Cada uma delas, separadamente, poderia servir aos nossos propósitos, a saber, como ambientes de exploração das representações do casamento na ficção de Hilda Hilst.  O singular triângulo amoroso-erótico de Matamoros, Meu e Haiága é um banquete para psicanalistas ou antropólogos. Para quem curte metáforas desbragadas, Axelrod Silva não decepciona ao penetrar imaginativamente o “vaginão da História”, quando de seu provável retorno à casa paterna. Mas escolho o desencanto de Tadeu no seu casamento de três décadas com Rute, um dos temas da primeira parte. Já disse e repito: não farei resenhas ou resumos. No caso de Tu não te moves de ti não saberia nem como fazê-lo. Ou mesmo se é possível ou desejável. Invariavelmente, ao ler tentativas nessa direção na literatura secundária, fico com a mesma impressão: tá faltando algo aí!  A escolha por Tadeu (da razão) atende igualmente facilitadores empáticos. Que filósofo não fica intrigado com este “da razão” no subtítulo? Isca certeira! E temos a figura do empresário Tadeu que, nariz torcido para a rotina de balancetes e metas, prefere dedicar seu tempo à escrita poética e considerações metafísico-existenciais. Outro poderoso gatilho autobiográfico. Além disso, certas intervenções dialógicas de Rute me fazem recordar conversas desairosas com ex-mulheres.  Interrompo as comparações com Tadeu pra vocês não pensarem que, com o pé no átrio da meia-idade, também eu andaria inspecionando com atenção redobrada o mapa das saídas de emergência de um casamento que avança pro buraco. Vai que a patroa leia essas notas e me exija explicações! Estamos apenas no primeiro terço da caminhada de “Até que a imaginação os separe”, mas já é saliente a figura do casamento como um laboratório para o autoconhecimento propiciado pelo relacionamento conjugal, seja ele íntimo e estável ou distante e em frangalhos. Conhecemos a nós mesmos através da relação com outras pessoas. Quando essas outras pessoas são mais do que amigos, são amantes, um eficiente fermento é adicionado à receita. Já observamos a dinâmica de autoconhecimento entre Ricardo Lísias e sua ex-mulher em Divórcio, e entre a narradora e Paulo em Nada a dizer. Como este processo ocorre em Tadeu (da razão)? Felizmente temos pistas da própria Hilda Hilst, em uma entrevista com Léo Gilson Ribeiro, quando do lançamento de Tu não te moves de ti, em 1980, e registrada no inescapável Fico besta quando me entendem: LGR Mas no seu livro o grande industrial, o capitalista Tadeu, tem um vislumbre dessa infinita gama de “eus” que ele pode viver, fora daquele eu desesperado que ele vive em meio a festas sociais ocas, junto de gente vazia, cheia de dinheiro, sexo e poder, mas sem […]

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