Filosofia na vida real

Até que a razão os separe. Cena 5: Mary Astell

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Até que a razão os separe. Cena 5: Mary Astell Marriage à-la-mode, de William Hogarth. (Crédito: nationalgallery.org.uk)
Nesta seção, ao longo de dez ensaios, o professor de filosofia da UFSM propõe uma curiosa incursão filosófica sobre nada menos que o casamento. A cada semana, um capítulo novo, a partir de pensadores e pensadoras que se dedicaram ao tema. Leia aqui o anterior, sobre John Locke. Detalhe da pintura O contrato de casamento, da série Marriage à-la-mode (1743 -1745), de William Hogarth. (Crédito: nationalgallery.org.uk) Parcela considerável dos textos da tradição antimatrimonial foi escrita por homens.  Pressupondo a infame tese da inferioridade do sexo feminino, julgavam o casamento ora como uma desventura, ora como um mal necessário, e, quase invariavelmente, como um obstáculo intransponível para o autoaperfeiçoamento… dos homens, é claro!  É especialmente interessante ver esta estratégia argumentativa de pernas para cima. É sempre prudente lembrar que misogamia e misoginia podem andar separadas. Você pode criticar a instituição do casamento sem diminuir o estatuto das mulheres. A forma mais simples para esta reviravolta é convocar o testemunho de mulheres que abordaram a questão do casamento como um provável estorvo para a promoção das virtudes do sexo feminino. Por razões didáticas, dois grupos podem ser divididos nessa empreitada. De um lado, temos o exemplo de muitas mulheres que, assumindo a vocação religiosa, abraçaram a castidade, o celibato e a vida monástica. De outro lado, encontram-se escritoras que caminharam para fora do átrio dos conventos, promoveram a educação das mulheres para a vida civil e não só recomendaram teoricamente o celibato como o praticaram ativamente. Os exemplos mais notáveis são Gabrielle Suchon (1632-1703), com o genial Du Célibat volontaire (1700), e Mary Astell (1666-1731), em especial nos escritos Some Reflections Upon Marriage, Occasioned by the Duke and Duchess of Mazarine’s Case; Which is Also Considered (1700) e A Serious Proposal to the Ladies for the Advancement of their True and Greatest Interest (1694). Some Reflections Upon Marriage, aliás, pode ser lido como uma convocação para que as mulheres pensem muito bem antes de casar e, se possível, não casem! Firmo a promissória de falar sobre Suchon noutra oportunidade. Hoje é Astell Day por mais de uma razão. Para terem uma ideia da moça, seus panfletos de intervenção política e sua defesa da educação das mulheres foram alvo tanto de plágio quanto de sátira por figurões como Jonathan Swift, Richard Steele e Daniel Defoe. Diga-me quem te plagia ou caçoa, que te direi quem és. Inclusive, não seria uma aposta vã defender que a personagem principal de Clarissa: ou a história de uma jovem (1784), romance consagrado de Samuel Richardson, pudesse ter sido inspirada igualmente na fama e figura de Astell. Aliás, não pensem vocês que esqueci das chineladas que são devidas ao titio Locke, por varrer o estatuto das mulheres para baixo do tapete do contrato social, no seu borrão de liberalismo igualitário. Não consigo pensar em ninguém que tenha empunhado as chinelas tão prontamente e com tamanha desenvoltura quanto Mary Astell. Mas, antes da crítica, um punhado de contexto cai bem. Nas disputas de poder de sua época, Astell fez trincheira no […]

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