Capítulo 2: Marcela
Hoje é um dia frio, quase ninguém no DCE. Três alunos conversam e bebem alguma coisa em um canto distante da sala. Não se importam comigo, estão acostumados. Ninguém me conhece, é um pessoal mais novo do que eu. Quer dizer, me conhecem, e a fofoca é que fui expulsa por ter me chapado atrás do RU, surtado e destruído a cabine de íons. Mais do que isso, há quem jure que eu vendo drogas. Ninguém me conhece. Ninguém sabe que este ambiente é mais sombrio para mim, e que se eu sair na rua do verde campus verei apenas cinza.
No chão, perto da cadeira em que estou, encontro uma revista, que não é uma revista, mas quadrinhos de Star Wars. Cresci assistindo ficção científica, encantada com as formas do futuro. Escolhi Física por pensar que poderia ser um modo de vislumbrar o que vem pela frente, pretensa antecipação.
Marcela foi uma boa colega e amiga, e, assim como eu, apaixonada por tecnologia e HQs. Ela era mais velha, trabalhou como vendedora no comércio por vários anos antes de entrar na graduação. Nos aproximamos logo no início do mestrado, quero dizer, no início do meu mestrado, o dela já ia pela metade. Não tínhamos aulas em comum, mas éramos orientadas pelo professor Ricardo. Ela estudava propulsão eletromagnética, eu comecei interessada em astrofísica, mas troquei a linha de pesquisa quando me percebi mais próxima da física quântica.
Sei que faz muito tempo que não falo com Marcela, mas não sei quanto exatamente, olho o celular seguidas vezes esperando pela resposta a uma mensagem que enviei, e o tempo se altera como acontece em toda espera. Meu peito dói, estou como em queda livre. Preciso falar com ela, mas não sei como. Não estou chapada, como pensam, mas devo estar louca, tenho visto isso no olhar preocupado de minha mãe.
Eu queria ter uma mãe como a de Marcela. Percebendo a facilidade de aprender da filha, não permitiu que ela ficasse presa em um balcão de loja. Insistiu muito para que Marcela entrasse na faculdade. Não é que minha mãe não estivesse feliz em me ver formada e estudando, mas é que ela esperava que depois de concluída a faculdade eu fosse começar a trabalhar e ganhar de acordo com meu grau de estudo. Não compreendeu meus planos de seguir estudando.
[Continua...]
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