Mil Manhãs Semelhantes – Capítulo 1

Era um dia quente, quase trinta e três graus, quando ouvi pela primeira vez que havia um vírus muito semelhante ao da gripe, capaz até de provocar uma epidemia. Cientistas mostravam-se preocupados. Eu estava na fila do Zaffari da Fernandes Vieira e foi um senhor, um desses aposentados que tem por missão do resto da vida ir ao mercado quantas vezes for necessário durante o dia, que comentou o fato. Ele não falou exatamente para mim, foi como se jogasse para o alto para que alguém completasse a sentença e a partir disso começasse uma conversa, um grande debate entre as filas do supermercado, uma assembleia do desencanto. Sei como essas coisas funcionam. Não gosto de conversar com desconhecidos, sobretudo no supermercado. Depois desse dia, recordo que a notícia apareceu no canto inferior da página de um jornal: pessoas morreram em decorrência da doença provocada por vírus. Todavia morte acontece o tempo todo, Porto Alegre é cheia de mortos, de gente que já morreu e ainda se arrasta por aí, dos que estão sempre prestes a morrer, de gente que morre sem lembrar o próprio nome. Teve uma época na cidade em que se encontravam nas esquinas malas com pessoas dentro. E dá para imaginar o que acontece com o corpo de um adulto para ele caber dentro de uma mala. Sendo assim, morte por morte, ninguém deu muita atenção à notícia do vírus.
[Continua...]
Era um dia quente, quase trinta e três graus, quando ouvi pela primeira vez que havia um vírus muito semelhante ao da gripe, capaz até de provocar uma epidemia. Cientistas mostravam-se preocupados. Eu estava na fila do Zaffari da Fernandes Vieira e foi um senhor, um desses aposentados que tem por missão do resto da vida ir ao mercado quantas vezes for necessário durante o dia, que comentou o fato. Ele não falou exatamente para mim, foi como se jogasse para o alto para que alguém completasse a sentença e a partir disso começasse uma conversa, um grande debate entre as filas do supermercado, uma assembleia do desencanto. Sei como essas coisas funcionam. Não gosto de conversar com desconhecidos, sobretudo no supermercado. Depois desse dia, recordo que a notícia apareceu no canto inferior da página de um jornal: pessoas morreram em decorrência da doença provocada por vírus. Todavia morte acontece o tempo todo, Porto Alegre é cheia de mortos, de gente que já morreu e ainda se arrasta por aí, dos que estão sempre prestes a morrer, de gente que morre sem lembrar o próprio nome. Teve uma época na cidade em que se encontravam nas esquinas malas com pessoas dentro. E dá para imaginar o que acontece com o corpo de um adulto para ele caber dentro de uma mala. Sendo assim, morte por morte, ninguém deu muita atenção à notícia do vírus.
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