Vinte anos de Fórum Social Mundial
Palpitam ainda em muitos corações e mentes sons e vozes, bem como semblantes e imagens retornam, pela memória, e repovoam retinas de muita gente que vivenciou a primeira edição do FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, em janeiro de 2001, aqui em Porto Alegre. Foi um acontecimento que, em pleno verão, reteve, na calorenta mas calorosa capital do RS, um contingente de pessoas que costumava esvaziar a cidade nessa época, em direção ao interior e ao litoral. Também as praias populares da orla do Guaíba nunca tiveram tamanha frequência de gente de peles, fisionomias, vestes, línguas e sotaques diferentes e tão comunicativas como naqueles dias do FSM. O setor de bares, restaurantes, hospedarias, os pequenos negócios de venda, troca e permuta de livros, roupas e artesanatos, foram grandes beneficiários da presença curiosa e interessada dos participantes nacionais e internacionais do evento. Nas ruas e em seus estabelecimentos, foram eles grandes parceiros da hospitalidade com que a cidade recebeu os participantes do evento. Isso para falar dos aspectos mais superficiais ou visíveis do acontecimento.
Os governos de POA e do RS fomos modestos anfitriões, comprometidos com o significado e os conteúdos das diversas pautas propostas pelos organizadores do evento – os movimentos sociais e as entidades da sociedade civil através de sua Coordenação Internacional, Nacional e Local. Coube-nos disponibilizar espaços públicos adequados para a instalação da Coordenação e para a realização das inúmeras mesas redondas, palestras, conferências, debates e atividades culturais e lúdicas que teciam as atividades cotidianas do FSM. A Frente Popular (FP) – PT, PDT, PSB e PCs – estava no início do terceiro ano de nosso mandato no governo estadual. Era preciso tomar medidas que garantissem a plena realização de um acontecimento de cujo significado político, social e cultural no globo tínhamos consciência e, ao mesmo tempo, não deixar dúvidas, em especial para os adversários de projeto, do caráter republicano do governo que acolhia a 1ª Edição do FSM, no trato da coisa pública, do dinheiro público, e ainda afirmar a Democracia Participativa não como um objetivo tático mas estratégico, na visão de que o Estado, sob controle social, deve funcionar mais e melhor no interesse efetivamente público, e não privado ou pessoal de quem quer que seja.
Trabalhamos para que as delegações vindas de diferentes continentes, países, nações e povos trocassem ideias conosco sobre o Orçamento Participativo que, em POA, já tinha um acúmulo de dez anos de experiência mas, em nível estadual, dava os primeiros passos. Propiciar o diálogo sobre esse tema, do Governo para o FSM e deste para o Governo, teve seus limites e percalços, mas foi enriquecedor para ambos. O fundamental era garantir a autonomia e independência do FSM diante da institucionalidade dos governos. O FSM não foi uma atividade dos governos, mas teve integral apoio dos governos da FP de POA e do RS.
Hoje o Fórum Social Mundial se espraia pelo mundo afora enfrentando temas desafiadores, deflagrados pela globalização desumanizadora do capitalismo na sua fase neoliberal: êxodos de populações inteiras, devastação ambiental, desigualdades sociais crescentes, concentração de renda e poder, guerras localizadas, miséria e fome, que a ciência e a tecnologia, apropriadas pela humanidade e não por megaempresas transnacionais e por governos seus fantoches espalhados pelo mundo, já poderiam ter equacionado, semeando esperanças como sonha o FSM de que UM NOVO MUNDO É POSSÍVEL.
Com todos os seus limites, dificuldades e problemas internos para se constituir numa voz que concite e incite os povos de todo o mundo a se organizar e mobilizar, com vigor e constância, pela construção de UM NOVO MUNDO DE IGUALDADE, JUSTIÇA, FRATERNIDADE e DEMOCRACIA, o FSM é um acontecimento gestado no final do século XX que precisa se enraizar e se espraiar pelo século XXI, para que este sonho sonhado por milhões se torne possível.
Olívio Dutra é ex-governador do Rio Grande do Sul.