Ensaio | Parêntese

Gabriela Luft: ENEM pra quem? “Você que lute!”

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Gabriela Luft: ENEM pra quem? “Você que lute!” Realizado anualmente desde 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a partir de 2009 mudou de figura, tendo se tornado o principal meio para o acesso às instituições de ensino superior brasileiras. Das 21 edições realizadas até então — algumas marcadas por vazamentos, que geraram reaplicações; outras com sérios problemas de correção das provas, como a ocorrida no último ano —, é certo que nenhuma delas, contudo, foi gestada em meio a uma crise com as dimensões da que enfrentamos hoje.   Em maior ou menor grau, a disseminação da Covid-19 levou a readaptações em todas as esferas, as quais impactaram drasticamente as instituições de ensino. Mais do que natural, então, que o principal processo seletivo do país suspendesse seu cronograma, respeitando as excepcionalidades impostas pelo estado de calamidade pública, não é? Decerto que sim — mas esperar um procedimento como esse no Brasil de 2020 é negligenciar a amplitude do obscurantismo e da perversão que nos cercam.  Os Editais lançados em 30 de março — quando ainda não se tinha a real dimensão do estrago da pandemia — já previam a aplicação das provas digitais para os dias 11 e 18 de outubro e as provas impressas para os dias 1º e 08 de novembro. Em 20 de abril, o Diário Oficial da União publicou novos Editais, anunciando a manutenção das datas das provas presenciais; a versão digital, porém, passou para os dias 22 e 29 de novembro.  O MEC, por sua vez, lançou uma campanha publicitária defendendo as datas propostas para o exame: “Estude!”, brada a aluna eufórica, guarnecida por um reluzente notebook cor de rosa em sua organizada escrivaninha; “A vida não pode parar!”, sentencia o jovem estudante, munido de seus dois aparelhos celulares sustentados por um tripé profissional. Ironicamente, se quisermos continuar vivos, a frase é exatamente o oposto do que precisamos agora, quando figuramos como o terceiro país do mundo em número de infectados e nos vemos diante de uma curva ascendente, de uma subnotificação absurda e de mais de 20 mil mortos.  A insistência, porém, tem método e, é claro, interesses. Obviamente, alguém há de ganhar com a manutenção do cronograma. Em tweet postado em meados de abril, Weintraub vocifera: “Governadores fizeram uma quarentena generalizada e precipitada. A população está no limite. Alunos sem aula ficam preocupados com o Enem. O ANO NÃO ESTÁ PERDIDO! Governadores devem planejar o retorno das aulas, tirar as nádegas da cadeira e REBOLAR atrás do prejuízo!”. Em reunião realizada com os senadores em 05 de maio, o ministro sacramenta: “O Enem não foi feito para corrigir injustiças, mas para selecionar”. A frase, por si, é de uma torpeza assombrosa — só não nos assusta mais pois as pauladas têm sido contínuas.  Na contramão do mundo civilizado, insensível aos pedidos dos estudantes, divergindo de professores, desconsiderando reivindicações de escolas e contrariando recomendações de entidades e conselhos de educação, Weintraub nada mais faz do que lançar mão dos mesmos padrões de comunicação do chefe: nega evidências científicas, minimiza os efeitos […]

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Realizado anualmente desde 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a partir de 2009 mudou de figura, tendo se tornado o principal meio para o acesso às instituições de ensino superior brasileiras. Das 21 edições realizadas até então — algumas marcadas por vazamentos, que geraram reaplicações; outras com sérios problemas de correção das provas, como a ocorrida no último ano —, é certo que nenhuma delas, contudo, foi gestada em meio a uma crise com as dimensões da que enfrentamos hoje.   Em maior ou menor grau, a disseminação da Covid-19 levou a readaptações em todas as esferas, as quais impactaram drasticamente as instituições de ensino. Mais do que natural, então, que o principal processo seletivo do país suspendesse seu cronograma, respeitando as excepcionalidades impostas pelo estado de calamidade pública, não é? Decerto que sim — mas esperar um procedimento como esse no Brasil de 2020 é negligenciar a amplitude do obscurantismo e da perversão que nos cercam.  Os Editais lançados em 30 de março — quando ainda não se tinha a real dimensão do estrago da pandemia — já previam a aplicação das provas digitais para os dias 11 e 18 de outubro e as provas impressas para os dias 1º e 08 de novembro. Em 20 de abril, o Diário Oficial da União publicou novos Editais, anunciando a manutenção das datas das provas presenciais; a versão digital, porém, passou para os dias 22 e 29 de novembro.  O MEC, por sua vez, lançou uma campanha publicitária defendendo as datas propostas para o exame: “Estude!”, brada a aluna eufórica, guarnecida por um reluzente notebook cor de rosa em sua organizada escrivaninha; “A vida não pode parar!”, sentencia o jovem estudante, munido de seus dois aparelhos celulares sustentados por um tripé profissional. Ironicamente, se quisermos continuar vivos, a frase é exatamente o oposto do que precisamos agora, quando figuramos como o terceiro país do mundo em número de infectados e nos vemos diante de uma curva ascendente, de uma subnotificação absurda e de mais de 20 mil mortos.  A insistência, porém, tem método e, é claro, interesses. Obviamente, alguém há de ganhar com a manutenção do cronograma. Em tweet postado em meados de abril, Weintraub vocifera: “Governadores fizeram uma quarentena generalizada e precipitada. A população está no limite. Alunos sem aula ficam preocupados com o Enem. O ANO NÃO ESTÁ PERDIDO! Governadores devem planejar o retorno das aulas, tirar as nádegas da cadeira e REBOLAR atrás do prejuízo!”. Em reunião realizada com os senadores em 05 de maio, o ministro sacramenta: “O Enem não foi feito para corrigir injustiças, mas para selecionar”. A frase, por si, é de uma torpeza assombrosa — só não nos assusta mais pois as pauladas têm sido contínuas.  Na contramão do mundo civilizado, insensível aos pedidos dos estudantes, divergindo de professores, desconsiderando reivindicações de escolas e contrariando recomendações de entidades e conselhos de educação, Weintraub nada mais faz do que lançar mão dos mesmos padrões de comunicação do chefe: nega evidências científicas, minimiza os efeitos […]

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