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Gonçalo Ferraz: Consenso

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Gonçalo Ferraz: Consenso Gonçalo Ferraz Brazillionaires: Wealth, Power, Decadence, and Hope in an American Country. Por Alex Cuadros, Editora Spiegel & Grau, New York, 2016. 368 pp. (Em inglês) Há um consenso calado no pensamento político dos brasileiros. É um fato essencialmente conciliador, bem conhecido em qualquer ponto do espectro ideológico, mas repetidamente ignorado em favor de uma visão superficial que classifica os personagens da política entre ‘bons’ e ‘maus’. O fato é que os governos do Partido dos Trabalhadores não teriam conseguido reduzir a desigualdade no Brasil se não tivessem compactuado com mecanismos de corrupção profundamente enraizados na sociedade brasileira. Em uma palavra: pragmatismo.  O pragmatismo que permitiu Lula governar o país em aliança com o PMDB é o pragmatismo que nos permite pagar o imposto de renda todos os anos sem saber exatamente como o valor é calculado. O pragmatismo que faz o ‘homem cordial’ sobrepor tranquilamente a realidade individual à abstração do bem comum é o mesmo pragmatismo que nos faz repetir o mantra de que é estúpido resistir à violência na rua. O pragmatismo é provavelmente um dos valores mais consensuais e determinantes da identidade brasileira. O livro ‘Brazillionaires’ de Alex Cuadros é de certa forma uma reflexão sobre o papel do pragmatismo na criação e destruição de fortunas bilionárias no Brasil. Enfocado principalmente na primeira década e meia do século XXI mas contextualizando a narrativa a partir do meio do século XX, o livro dá particular atenção à história da ascensão e queda de Eike Baptista e, em paralelo a ela, à história da ascensão e queda do otimismo sobre o futuro próximo do Brasil. Cuadros, repórter, natural dos Estados Unidos, viveu em São Paulo de 2010 a 2016 trabalhando para a agência Bloomberg com a incumbência de traçar perfis de bilionários brasileiros. Eike tem o perfil mais detalhado do livro, mas o texto também fala de Paulo Maluf, Sebastião Camargo, Roberto Marinho, Jorge Paulo Lehman, Edir Macedo e Antonio Luiz Seabra, entre outros. O que motiva estas pessoas? Quanto do seu êxito se deve ao seu gênio, quanto à sorte e quanto aos favores do estado? Como eles justificam sua descomunal riqueza num país com tanta gente pobre? O pragmatismo aparece como ator principal na resposta a todas estas perguntas, brilhantemente tratadas ao longo do livro. A transgressão moral é uma prerrogativa humana. A suspensão teleológica da ética é uma prática universal. Todos somos pragmáticos em alguma medida, suspendendo a aplicação de regras, auto-impostas ou não, afim de atingir os nossos objetivos. A questão é quão longe vamos no pragmatismo. As vidas dos bilionários são um assunto de interesse geral porque elas mostram o pragmatismo em ação de forma ampla e dramática. A ascensão de um bilionário nos redime pela história de alguém que quebrou regras com êxito. A queda de um bilionário nos consola pela aparente justiça sobre alguém que quebrou regras demais. O que fica por responder é como é que, num país em que o pragmatismo é esporte e obsessão nacional, ainda nos custa […]

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Gonçalo Ferraz Brazillionaires: Wealth, Power, Decadence, and Hope in an American Country. Por Alex Cuadros, Editora Spiegel & Grau, New York, 2016. 368 pp. (Em inglês) Há um consenso calado no pensamento político dos brasileiros. É um fato essencialmente conciliador, bem conhecido em qualquer ponto do espectro ideológico, mas repetidamente ignorado em favor de uma visão superficial que classifica os personagens da política entre ‘bons’ e ‘maus’. O fato é que os governos do Partido dos Trabalhadores não teriam conseguido reduzir a desigualdade no Brasil se não tivessem compactuado com mecanismos de corrupção profundamente enraizados na sociedade brasileira. Em uma palavra: pragmatismo.  O pragmatismo que permitiu Lula governar o país em aliança com o PMDB é o pragmatismo que nos permite pagar o imposto de renda todos os anos sem saber exatamente como o valor é calculado. O pragmatismo que faz o ‘homem cordial’ sobrepor tranquilamente a realidade individual à abstração do bem comum é o mesmo pragmatismo que nos faz repetir o mantra de que é estúpido resistir à violência na rua. O pragmatismo é provavelmente um dos valores mais consensuais e determinantes da identidade brasileira. O livro ‘Brazillionaires’ de Alex Cuadros é de certa forma uma reflexão sobre o papel do pragmatismo na criação e destruição de fortunas bilionárias no Brasil. Enfocado principalmente na primeira década e meia do século XXI mas contextualizando a narrativa a partir do meio do século XX, o livro dá particular atenção à história da ascensão e queda de Eike Baptista e, em paralelo a ela, à história da ascensão e queda do otimismo sobre o futuro próximo do Brasil. Cuadros, repórter, natural dos Estados Unidos, viveu em São Paulo de 2010 a 2016 trabalhando para a agência Bloomberg com a incumbência de traçar perfis de bilionários brasileiros. Eike tem o perfil mais detalhado do livro, mas o texto também fala de Paulo Maluf, Sebastião Camargo, Roberto Marinho, Jorge Paulo Lehman, Edir Macedo e Antonio Luiz Seabra, entre outros. O que motiva estas pessoas? Quanto do seu êxito se deve ao seu gênio, quanto à sorte e quanto aos favores do estado? Como eles justificam sua descomunal riqueza num país com tanta gente pobre? O pragmatismo aparece como ator principal na resposta a todas estas perguntas, brilhantemente tratadas ao longo do livro. A transgressão moral é uma prerrogativa humana. A suspensão teleológica da ética é uma prática universal. Todos somos pragmáticos em alguma medida, suspendendo a aplicação de regras, auto-impostas ou não, afim de atingir os nossos objetivos. A questão é quão longe vamos no pragmatismo. As vidas dos bilionários são um assunto de interesse geral porque elas mostram o pragmatismo em ação de forma ampla e dramática. A ascensão de um bilionário nos redime pela história de alguém que quebrou regras com êxito. A queda de um bilionário nos consola pela aparente justiça sobre alguém que quebrou regras demais. O que fica por responder é como é que, num país em que o pragmatismo é esporte e obsessão nacional, ainda nos custa […]

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