Crônica | Parêntese

Haha, hehe, kkk

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Haha, hehe, kkk Alguém precisa escrever uma história das onomatopeias do riso no Brasil. Quando eu era guri, ria-se por escrito com “Haha”. “Por escrito” quer dizer em cartas – sim, eu cheguei a ver isso – mas também em livros, revistas, etc. Nos gibis, havia mais três variedades: “hehe, “hihi” e, em casos muito específicos, “hoho”. Algumas revistinhas grafavam “ra ra” e “rê rê” – opção mais vernácula, já que o “h” deveria ser mudo em português. Mas não pegou. Em livros mais antigos, achava-se um “Haha” invertido: “Ah! Ah!”. Mas, francamente, isso parece outra coisa.  Em determinado momento, não sei quando (fim da década de 90, provavelmente), surgiu o “mwahaha”, que era uma representação daquele tipo de risada cavernosa vilanesca, que dispensa maiores apresentações. Pode ser que o “mwahaha” tenha chegado ao Brasil por meio de Bowser, vilão dos jogos do universo Mario, da Nintendo. Quem jogou sabe.  Agora, porém, uma informação um pouco mais complexa. Essas onomatopeias que listei eram representações do riso por escrito; mas havia também uma representação sonora do riso alheio. Quero dizer: quando a pessoa, por exemplo, contava uma história em voz alta, e no meio da história um personagem ria. O contador da história não estava rindo, mas o personagem sim, e a representação vocal desse riso, entre pessoas de geração anterior à minha, era: “quaquaqua”. Por exemplo: “cheguei lá e estavam todos rindo – quaquaqua!”.  “Quaquaqua” talvez tenha algo a ver com o verbo “casquinar” ou “caquinar”, “rir com escárnio” – que por sua vez vem do latim tardio “cachinno / cachinnare”, “rir descomposta e imoderadamente”. Em inglês, existe o verbo “to cackle”, que inicialmente significava a voz da galinha ou do ganso, mas passou a ser usado no sentido de “soltar uma risada curta”. No início da era digital, ria-se com “haha” e “hehe”, principalmente. Mas, com o tempo, essas duas onomatopeias se tornaram apenas muletas convencionais e, por excesso de uso, perderam o efeito, de tal forma que “haha” e “hehe” passaram a significar um riso falso, ou um sorriso amarelo ou mesmo uma espécie passivo-agressiva de antirriso. Sobreviveu o “haha!”, mal e mal, como se o H e o A se apoiassem meio combalidos no ombro do ponto de exclamação. O desgaste do “haha” e do “hehe” levou a um bifurcamento onomatopeico. Por um lado, nasceu o “kkk”, que talvez seja um ressurgimento do “quaquaqua” e ainda uma reiteração da casquinada latina. É preciso muito cuidado ao se usar o “kkk”, porque, por exemplo, tu podes estar falando com um amigo americano e aí, de repente, soltas um berro virtual que será interpretado como “KLU KLUX KAN!”. Já aconteceu comigo. Por isso, prefiro sempre usar “kkkk”, com 4 ks. Por outro lado, muitas pessoas começaram a meter um “u” aleatório no meio do “haha” e do “hehe”, criando uma série de híbridos: “huaha”, “hahua”, “huahua”, “huehue”, etc. “Huehue” tornou-se popular entre gamers brasileiros, cuja reputação mundial foi, por um período, péssima –– de modo que o “huehue” serviu de subsídio para […]

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Alguém precisa escrever uma história das onomatopeias do riso no Brasil. Quando eu era guri, ria-se por escrito com “Haha”. “Por escrito” quer dizer em cartas – sim, eu cheguei a ver isso – mas também em livros, revistas, etc. Nos gibis, havia mais três variedades: “hehe, “hihi” e, em casos muito específicos, “hoho”. Algumas revistinhas grafavam “ra ra” e “rê rê” – opção mais vernácula, já que o “h” deveria ser mudo em português. Mas não pegou. Em livros mais antigos, achava-se um “Haha” invertido: “Ah! Ah!”. Mas, francamente, isso parece outra coisa.  Em determinado momento, não sei quando (fim da década de 90, provavelmente), surgiu o “mwahaha”, que era uma representação daquele tipo de risada cavernosa vilanesca, que dispensa maiores apresentações. Pode ser que o “mwahaha” tenha chegado ao Brasil por meio de Bowser, vilão dos jogos do universo Mario, da Nintendo. Quem jogou sabe.  Agora, porém, uma informação um pouco mais complexa. Essas onomatopeias que listei eram representações do riso por escrito; mas havia também uma representação sonora do riso alheio. Quero dizer: quando a pessoa, por exemplo, contava uma história em voz alta, e no meio da história um personagem ria. O contador da história não estava rindo, mas o personagem sim, e a representação vocal desse riso, entre pessoas de geração anterior à minha, era: “quaquaqua”. Por exemplo: “cheguei lá e estavam todos rindo – quaquaqua!”.  “Quaquaqua” talvez tenha algo a ver com o verbo “casquinar” ou “caquinar”, “rir com escárnio” – que por sua vez vem do latim tardio “cachinno / cachinnare”, “rir descomposta e imoderadamente”. Em inglês, existe o verbo “to cackle”, que inicialmente significava a voz da galinha ou do ganso, mas passou a ser usado no sentido de “soltar uma risada curta”. No início da era digital, ria-se com “haha” e “hehe”, principalmente. Mas, com o tempo, essas duas onomatopeias se tornaram apenas muletas convencionais e, por excesso de uso, perderam o efeito, de tal forma que “haha” e “hehe” passaram a significar um riso falso, ou um sorriso amarelo ou mesmo uma espécie passivo-agressiva de antirriso. Sobreviveu o “haha!”, mal e mal, como se o H e o A se apoiassem meio combalidos no ombro do ponto de exclamação. O desgaste do “haha” e do “hehe” levou a um bifurcamento onomatopeico. Por um lado, nasceu o “kkk”, que talvez seja um ressurgimento do “quaquaqua” e ainda uma reiteração da casquinada latina. É preciso muito cuidado ao se usar o “kkk”, porque, por exemplo, tu podes estar falando com um amigo americano e aí, de repente, soltas um berro virtual que será interpretado como “KLU KLUX KAN!”. Já aconteceu comigo. Por isso, prefiro sempre usar “kkkk”, com 4 ks. Por outro lado, muitas pessoas começaram a meter um “u” aleatório no meio do “haha” e do “hehe”, criando uma série de híbridos: “huaha”, “hahua”, “huahua”, “huehue”, etc. “Huehue” tornou-se popular entre gamers brasileiros, cuja reputação mundial foi, por um período, péssima –– de modo que o “huehue” serviu de subsídio para […]

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