Parêntese | Resenha

Jandiro Koch: Athos Damasceno Ferreira e os jornais caricatos de Porto Alegre no século XIX

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Jandiro Koch: Athos Damasceno Ferreira e os jornais caricatos de Porto Alegre no século XIX Percorrer arquivos, folhear documentos, visitar sebos, ler livros – de preferência tudo empoeirado. É hobby e pesquisa. Dos últimos títulos riniteados, o ensaio Jornais críticos e humorísticos de Porto Alegre no século XIX (1944), de Athos Damasceno Ferreira (1902-1975), texto integrado, com modificações, ao volumoso Imprensa caricata do Rio Grande do Sul no século XIX (1962). Buscas lentas. Leitura não dinâmica. Algo interessante que acaba chamando. A atenção sai correndo para ver qual que é. Dessa vez, a brochura, de trinta e três páginas, não bastasse a atraente escrita, cativou pelas charges. Figuras transpostas dos periódicos que circulavam na capital gaúcha há mais de cem anos. Não somente por serem caricaturas apuradas – nem todas -, mas por parecerem feitas para o agora – o que é menos dependente da técnica no traço. Datadas, atreladas a personagens e fatos específicos, portanto penosas para assimilar, há umas quantas. Mas grande número vence Cronos. Quem sabe por desenharem a condição humana, especialmente a medíocre. De O Guarani, Damasceno fisgou representação patética, corriqueiramente ligada ao ignoto e à sonsice. Um tanto pueril, mas não menos hilária por isso, a troça não tem assinatura, talvez para resguardo – Charlie Hebdo e Porta dos Fundos são casos mais recentes de complicações graves decorrentes da má digestão do humor. Detalhe de ilustração contida no ensaio Jornais críticos e humorísticos de Porto Alegre no século XIX (1944). (Foto: Jandiro Koch) “Terraplanistas, líderes dos movimentos anti-vacina, negacionistas – ao chapéu!”. Dá vontade de inticar? Aham. Claro, previdente é verificar a própria montaria. Devagar – não em batida de olho. No start da pandemia, por exemplo, meios de comunicação relativamente cuidadosos, respaldados em opiniões médicas, desaconselharam o uso de máscaras por quem não estivesse infectado. Mil compartilhamentos nas redes – essa coisa coquete do mundo wi-fi e air fryer.  A galope, o desmentido. Estratégia para reservar o material para as equipes de enfermagem e para os médicos na linha de frente. Mudança de orientação da Organização Mundial da Saúde. Proteção de tecido para todos. Ok. Poderiam ter dito isso antes? Quem não se sentiu num matungo capenga? O sarcasmo para com as lideranças religiosas foi outra constante de antanho. A mim, há muito fazendo a dança das cadeiras entre o agnosticismo e o ateísmo, contempla. O jornalista e caricaturista português Araújo Guerra, que viveu em Rio Grande, Pelotas e na capital gaúcha, assinou um desses cartuns, publicado em O Século, um dos jornais gaúchos mais corrosivos da época. Ilustração do jornalista e caricaturista português Araújo Guerra contida no ensaio de Athos Damesceno Ferreira. (Foto: Jandiro Koch) E claro, profissionais da ironia não faltavam quando a barafunda se formava. Quando o cólera-morbo matou cerca de 10% da população de Porto Alegre, entre 1855 e 1856, por exemplo. A negação foi a primeira resposta gaúcha. Ganhou força a concepção de “província salubre”, ou seja, néscia esperança de que o bicho não chegaria aos pampas  – de que ficaria pelo Pará. Por sorte, por lonjura, por não gostar do frio, sei lá, […]

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Percorrer arquivos, folhear documentos, visitar sebos, ler livros – de preferência tudo empoeirado. É hobby e pesquisa. Dos últimos títulos riniteados, o ensaio Jornais críticos e humorísticos de Porto Alegre no século XIX (1944), de Athos Damasceno Ferreira (1902-1975), texto integrado, com modificações, ao volumoso Imprensa caricata do Rio Grande do Sul no século XIX (1962). Buscas lentas. Leitura não dinâmica. Algo interessante que acaba chamando. A atenção sai correndo para ver qual que é. Dessa vez, a brochura, de trinta e três páginas, não bastasse a atraente escrita, cativou pelas charges. Figuras transpostas dos periódicos que circulavam na capital gaúcha há mais de cem anos. Não somente por serem caricaturas apuradas – nem todas -, mas por parecerem feitas para o agora – o que é menos dependente da técnica no traço. Datadas, atreladas a personagens e fatos específicos, portanto penosas para assimilar, há umas quantas. Mas grande número vence Cronos. Quem sabe por desenharem a condição humana, especialmente a medíocre. De O Guarani, Damasceno fisgou representação patética, corriqueiramente ligada ao ignoto e à sonsice. Um tanto pueril, mas não menos hilária por isso, a troça não tem assinatura, talvez para resguardo – Charlie Hebdo e Porta dos Fundos são casos mais recentes de complicações graves decorrentes da má digestão do humor. Detalhe de ilustração contida no ensaio Jornais críticos e humorísticos de Porto Alegre no século XIX (1944). (Foto: Jandiro Koch) “Terraplanistas, líderes dos movimentos anti-vacina, negacionistas – ao chapéu!”. Dá vontade de inticar? Aham. Claro, previdente é verificar a própria montaria. Devagar – não em batida de olho. No start da pandemia, por exemplo, meios de comunicação relativamente cuidadosos, respaldados em opiniões médicas, desaconselharam o uso de máscaras por quem não estivesse infectado. Mil compartilhamentos nas redes – essa coisa coquete do mundo wi-fi e air fryer.  A galope, o desmentido. Estratégia para reservar o material para as equipes de enfermagem e para os médicos na linha de frente. Mudança de orientação da Organização Mundial da Saúde. Proteção de tecido para todos. Ok. Poderiam ter dito isso antes? Quem não se sentiu num matungo capenga? O sarcasmo para com as lideranças religiosas foi outra constante de antanho. A mim, há muito fazendo a dança das cadeiras entre o agnosticismo e o ateísmo, contempla. O jornalista e caricaturista português Araújo Guerra, que viveu em Rio Grande, Pelotas e na capital gaúcha, assinou um desses cartuns, publicado em O Século, um dos jornais gaúchos mais corrosivos da época. Ilustração do jornalista e caricaturista português Araújo Guerra contida no ensaio de Athos Damesceno Ferreira. (Foto: Jandiro Koch) E claro, profissionais da ironia não faltavam quando a barafunda se formava. Quando o cólera-morbo matou cerca de 10% da população de Porto Alegre, entre 1855 e 1856, por exemplo. A negação foi a primeira resposta gaúcha. Ganhou força a concepção de “província salubre”, ou seja, néscia esperança de que o bicho não chegaria aos pampas  – de que ficaria pelo Pará. Por sorte, por lonjura, por não gostar do frio, sei lá, […]

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