Crônica | Parêntese

José Falero: Anseio e glória

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José Falero: Anseio e glória Dê-me a mãoeu tenho dentro de mim anseio e glóriaque roubaram a meus pais— Oswaldo de Camargo Há um lugar conhecido por muitos, e desconhecido por outros tantos, onde a realidade se desenvolveu de maneira muito diferente da nossa. Para início de conversa, lá, naquele lugar, as divindades não são mera questão de fé: constam nos mais confiáveis registros históricos, e nem mesmo seria possível enumerar as evidências de sua real existência, espalhadas por todo o planeta. Condição invejável, a do povo de lá: ao contrário de nós, eles não precisam lidar com a problemática de tentar descobrir quais religiões são verdadeiras (se é que alguma é verdadeira) e quais não passam de filosofias baratas, fadadas a se tornarem mitologias mais cedo ou mais tarde. Não. Eles não carregam esse peso por lá. Eles simplesmente desconhecem esse nosso medo, esse nosso pavor de eventualmente precisarmos admitir que todas as civilizações de que temos notícia, entre as dizimadas e as dizimantes, todas foram alicerçadas em fantasias insustentáveis. Lá, todos sabem muito bem, todos se lembram muito como foi que tudo começou: a deusa da coragem, a deusa da sabedoria e a deusa do poder criaram a tudo e a todos. Nas profundezas dos rios e dos oceanos, peixes evoluíram, adquiriram consciência, aprenderam a falar e fundaram suas próprias civilizações; desenvolveram a capacidade de sobreviver tanto submersos na água, onde nadam a velocidades altíssimas, como em terra firme, onde caminham sobre duas pernas. No alto das montanhas, porções de matéria antes inanimadas foram agraciadas com o sopro da vida e também evoluíram, adquiriram consciência, aprenderam a falar, fundaram suas próprias civilizações, se tornaram bípedes, dominaram a arte do sumô e desenvolveram uma “personalidade” coletiva um tanto orgulhosa, turrona, dura como o seu corpo, literalmente feito de pedra. No recôndito das florestas, uma espécie curiosa de seres igualmente pensantes, falantes, civilizados e bípedes: criaturas pequeninas, que jamais crescem, que são crianças para todo o sempre, que possuem cada qual uma fada guardiã e que acreditam piamente que irão morrer caso ousem abandonar as suas civilizações ocultas, construídas em meio à paz das árvores e dos arbustos. Isso sem se falar na raça de seres também pensantes, falantes, civilizados e bípedes que construíram suas civilizações nos desertos: são criaturas muito majoritariamente femininas, porque entre elas nasce apenas um macho a cada cem anos. Na verdade, há, naquele lugar, muito mais tipos de seres, entre racionais e irracionais, humanoides e não-humanoides, vivos e mortos (fantasmas existem de verdade por lá); e há, também, uma série de peculiaridades, como a possibilidade de viajar no tempo ou no espaço tocando-se determinadas músicas em determinados instrumentos, a existência de máscaras mágicas que permitem (entre outras coisas) que um tipo de ser se transforme em outro, e por aí vai. Estou falando do mundo de The Legend of Zelda, uma série de jogos eletrônicos da Nintendo. Passei toda a minha adolescência, e também o início da vida adulta, imerso nesse universo de ficção especulativa cujas histórias, diga-se de passagem, […]

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Dê-me a mãoeu tenho dentro de mim anseio e glóriaque roubaram a meus pais— Oswaldo de Camargo Há um lugar conhecido por muitos, e desconhecido por outros tantos, onde a realidade se desenvolveu de maneira muito diferente da nossa. Para início de conversa, lá, naquele lugar, as divindades não são mera questão de fé: constam nos mais confiáveis registros históricos, e nem mesmo seria possível enumerar as evidências de sua real existência, espalhadas por todo o planeta. Condição invejável, a do povo de lá: ao contrário de nós, eles não precisam lidar com a problemática de tentar descobrir quais religiões são verdadeiras (se é que alguma é verdadeira) e quais não passam de filosofias baratas, fadadas a se tornarem mitologias mais cedo ou mais tarde. Não. Eles não carregam esse peso por lá. Eles simplesmente desconhecem esse nosso medo, esse nosso pavor de eventualmente precisarmos admitir que todas as civilizações de que temos notícia, entre as dizimadas e as dizimantes, todas foram alicerçadas em fantasias insustentáveis. Lá, todos sabem muito bem, todos se lembram muito como foi que tudo começou: a deusa da coragem, a deusa da sabedoria e a deusa do poder criaram a tudo e a todos. Nas profundezas dos rios e dos oceanos, peixes evoluíram, adquiriram consciência, aprenderam a falar e fundaram suas próprias civilizações; desenvolveram a capacidade de sobreviver tanto submersos na água, onde nadam a velocidades altíssimas, como em terra firme, onde caminham sobre duas pernas. No alto das montanhas, porções de matéria antes inanimadas foram agraciadas com o sopro da vida e também evoluíram, adquiriram consciência, aprenderam a falar, fundaram suas próprias civilizações, se tornaram bípedes, dominaram a arte do sumô e desenvolveram uma “personalidade” coletiva um tanto orgulhosa, turrona, dura como o seu corpo, literalmente feito de pedra. No recôndito das florestas, uma espécie curiosa de seres igualmente pensantes, falantes, civilizados e bípedes: criaturas pequeninas, que jamais crescem, que são crianças para todo o sempre, que possuem cada qual uma fada guardiã e que acreditam piamente que irão morrer caso ousem abandonar as suas civilizações ocultas, construídas em meio à paz das árvores e dos arbustos. Isso sem se falar na raça de seres também pensantes, falantes, civilizados e bípedes que construíram suas civilizações nos desertos: são criaturas muito majoritariamente femininas, porque entre elas nasce apenas um macho a cada cem anos. Na verdade, há, naquele lugar, muito mais tipos de seres, entre racionais e irracionais, humanoides e não-humanoides, vivos e mortos (fantasmas existem de verdade por lá); e há, também, uma série de peculiaridades, como a possibilidade de viajar no tempo ou no espaço tocando-se determinadas músicas em determinados instrumentos, a existência de máscaras mágicas que permitem (entre outras coisas) que um tipo de ser se transforme em outro, e por aí vai. Estou falando do mundo de The Legend of Zelda, uma série de jogos eletrônicos da Nintendo. Passei toda a minha adolescência, e também o início da vida adulta, imerso nesse universo de ficção especulativa cujas histórias, diga-se de passagem, […]

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