Crônica | Parêntese

José Falero: Branco é a vó

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José Falero: Branco é a vó Dia desses andaram me fazendo uma acusação tacanha. Achei que era uma boa oportunidade de exercitar o meu pensamento acerca desse assunto tão em voga: a tal da identidade racial. Agora, peço licença para expor aqui como organizo as ideias sobre esse tema. Acredito ser do conhecimento de todos que um certo povo foi sequestrado do continente africano e escravizado aqui, nestas terras, assim como em outros lugares também. Então, durante bastante tempo, chamar o povo sequestrado da África de “negro” não gerou confusão alguma; afinal, no contexto racial, antes das décadas e mais décadas de miscigenação que tivemos neste país, o termo “negro” nem de longe era ambíguo, ao contrário do que acontece hoje em dia. Todo negro tinha a pele negra, todo negro era negro. Para entender a ambiguidade do termo “negro” em nossos tempos, a primeira coisa que precisamos ter em mente é que o povo sequestrado da África a partir do século XV possuía propriedades físicas bem-definidas, sendo as principais: pele negra, cabelo crespo e traços faciais característicos, ditos “traços negroides”. O problema é que, hoje, tempos depois daquilo que tiveram o desplante de incluir nos livros de História como “Abolição da Escravatura no Brasil”, e depois de toda a miscigenação que aconteceu, o que resta, pairando no ar desta Nação, é um preconceito violento contra tudo o que remeta ao povo sequestrado da África; preconceito esse que chamamos de “racismo”. E o racismo, meus amigos, não se enganem: ele não levará em consideração somente a cor da pele de uma pessoa. Qualquer propriedade física que possibilite identificar uma pessoa como descendente de negros, por mais distante que seja a descendência, será suficiente para que essa pessoa sofra racismo. Nesse contexto, eis que o termo “negro” torna-se ambíguo. “Negro” refere-se, sim, a uma pessoa de pele efetivamente negra, mas não só a isso: também é o termo usado para indicar qualquer pessoa cuja descendência de negros seja evidente, e por conta da qual essa pessoa sofra, em maior ou menor grau, o mesmo tipo de preconceito que o negro de pele mais retinta. Os exemplos são muitos. Ainda ontem o cabelo liso era chamado de “cabelo bom”, enquanto o cabelo crespo era chamado de “cabelo ruim”, justamente por evidenciar a descendência negra das pessoas. Tivessem pele mais retinta, tivessem pele mais clara, homens de todas as idades aderiram à cultura de raspar o cabelo. Tivessem pele mais retinta, tivessem pele mais clara, mulheres de todas as idades aderiram à cultura de alisar o cabelo. Todos esses homens e mulheres sentiam-se constrangidos pelo senso comum racista. Ninguém queria ser a pessoa de “cabelo ruim”. Ninguém queria ser a pessoa cujo cabelo evidenciava a descendência de negros. E não precisamos voltar muito no tempo: foi no ano de 2019 mesmo, logo ali, que a diretora de uma escola no Maranhão proibiu a matricula de uma criança por ter cabelo crespo. Essa criança não tem pele retinta, mas o preconceito exercido contra ela mostrou-se fundamentalmente racial: ela foi impedida […]

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Dia desses andaram me fazendo uma acusação tacanha. Achei que era uma boa oportunidade de exercitar o meu pensamento acerca desse assunto tão em voga: a tal da identidade racial. Agora, peço licença para expor aqui como organizo as ideias sobre esse tema. Acredito ser do conhecimento de todos que um certo povo foi sequestrado do continente africano e escravizado aqui, nestas terras, assim como em outros lugares também. Então, durante bastante tempo, chamar o povo sequestrado da África de “negro” não gerou confusão alguma; afinal, no contexto racial, antes das décadas e mais décadas de miscigenação que tivemos neste país, o termo “negro” nem de longe era ambíguo, ao contrário do que acontece hoje em dia. Todo negro tinha a pele negra, todo negro era negro. Para entender a ambiguidade do termo “negro” em nossos tempos, a primeira coisa que precisamos ter em mente é que o povo sequestrado da África a partir do século XV possuía propriedades físicas bem-definidas, sendo as principais: pele negra, cabelo crespo e traços faciais característicos, ditos “traços negroides”. O problema é que, hoje, tempos depois daquilo que tiveram o desplante de incluir nos livros de História como “Abolição da Escravatura no Brasil”, e depois de toda a miscigenação que aconteceu, o que resta, pairando no ar desta Nação, é um preconceito violento contra tudo o que remeta ao povo sequestrado da África; preconceito esse que chamamos de “racismo”. E o racismo, meus amigos, não se enganem: ele não levará em consideração somente a cor da pele de uma pessoa. Qualquer propriedade física que possibilite identificar uma pessoa como descendente de negros, por mais distante que seja a descendência, será suficiente para que essa pessoa sofra racismo. Nesse contexto, eis que o termo “negro” torna-se ambíguo. “Negro” refere-se, sim, a uma pessoa de pele efetivamente negra, mas não só a isso: também é o termo usado para indicar qualquer pessoa cuja descendência de negros seja evidente, e por conta da qual essa pessoa sofra, em maior ou menor grau, o mesmo tipo de preconceito que o negro de pele mais retinta. Os exemplos são muitos. Ainda ontem o cabelo liso era chamado de “cabelo bom”, enquanto o cabelo crespo era chamado de “cabelo ruim”, justamente por evidenciar a descendência negra das pessoas. Tivessem pele mais retinta, tivessem pele mais clara, homens de todas as idades aderiram à cultura de raspar o cabelo. Tivessem pele mais retinta, tivessem pele mais clara, mulheres de todas as idades aderiram à cultura de alisar o cabelo. Todos esses homens e mulheres sentiam-se constrangidos pelo senso comum racista. Ninguém queria ser a pessoa de “cabelo ruim”. Ninguém queria ser a pessoa cujo cabelo evidenciava a descendência de negros. E não precisamos voltar muito no tempo: foi no ano de 2019 mesmo, logo ali, que a diretora de uma escola no Maranhão proibiu a matricula de uma criança por ter cabelo crespo. Essa criança não tem pele retinta, mas o preconceito exercido contra ela mostrou-se fundamentalmente racial: ela foi impedida […]

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