Crônica | Parêntese

José Falero: Em construção

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José Falero: Em construção Pensando bem, o Pinheiro, aqui onde eu moro, é um bairro tão longe de tudo, que dificilmente alguém viria parar nestas bandas por engano. Não consigo sequer imaginar uma pessoa dizendo: “xi, que coisa, acabei no Pinheiro”. Não. Definitivamente, não. Quem vem ao Pinheiro nunca está perdido. De qualquer forma, como me preocupo com vocês e lhes tenho imenso apreço, caríssimos leitores da Parêntese, fica aqui o meu alerta. Caso suceda, um dia, de vocês virem parar no fim do mundo, assim, sem querer, e então se vejam perambulando pelas ruas da Mapa, ou pelas ruas do Portal, ou pelas ruas da Nova São Carlos, ou pelas ruas da Sapo, ou pelas ruas da Vilinha, ou pelas ruas da Viçosa, ou pelas ruas do Vale, ou pelas ruas da Serra, ou pelas ruas do Mangue, ou pelas ruas da Bonsucesso, enfim, caso isso aconteça, evitem, a todo custo, qualquer contato visual com os moradores. Do contrário, pode ser que eles acabem lhes sorrindo e lhes dando “bom dia”. Eu sei, eu sei: coisa mais ultrapassada essa de sorrir e dar “bom dia” aos outros, mesmo que sejam desconhecidos. Só que por aqui quase tudo é assim mesmo, um tanto ultrapassado. A modernidade até que demonstra algum interesse em vir se esparramar de vez por estas bandas, mas parece ter medo de alguma coisa; vem se achegando bem aos poucos, com excesso de cuidados, como quem entra no rio muito devagarinho, por receio de que a água esteja fria demais. Assim, ainda não deu tempo de o povo daqui perder antigos costumes, como esse do sorriso que se abre sem esforço e do “bom dia” que se deseja, com sinceridade, a quem quer que seja. Uma pesquisa certamente terminaria comprovando o que já é uma suspeita: em relação a outros cantos da cidade, esta região deve possuir altíssima taxa de beijos e abraços por metro quadrado. Démodé, eu sei, mas é assim: as pessoas por aqui ainda conservam acentuada tendência ao carinho e à empatia. E deve ser essa, inclusive, a explicação para o fato de que no Pinheiro todos são “vizinhos”. Sim, porque aqui todos são “vizinhos”. O cara pode morar na Austrália e estar no Pinheiro só de passagem, pode nunca antes ter pisado no Pinheiro, pode nem mesmo falar o nosso idioma; nada disso importa; aqui, as pessoas o chamarão de “vizinho”. Aqui, as pessoas o reconhecerão como um próximo. Aqui, as pessoas não estão muito acostumadas com símbolos de distinção e, portanto, desconhecem meios pelos quais decidir quem é digno e quem não é da sua simpatia, de modo que, na dúvida, acabam sendo simpáticas com todo o mundo. Aqui, todos são “vizinhos”. Sim, sim, por aqui quase tudo é assim mesmo, um tanto ultrapassado. Outro dia, quando fui à casa do poeta e amigo Duan Kissonde, lá no Portal, passei por um bando de crianças brincando de pega-pega, correndo soltas e faceiras pela rua. Dá para acreditar? Isso quando não decidem tomar banho de chuva e […]

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Pensando bem, o Pinheiro, aqui onde eu moro, é um bairro tão longe de tudo, que dificilmente alguém viria parar nestas bandas por engano. Não consigo sequer imaginar uma pessoa dizendo: “xi, que coisa, acabei no Pinheiro”. Não. Definitivamente, não. Quem vem ao Pinheiro nunca está perdido. De qualquer forma, como me preocupo com vocês e lhes tenho imenso apreço, caríssimos leitores da Parêntese, fica aqui o meu alerta. Caso suceda, um dia, de vocês virem parar no fim do mundo, assim, sem querer, e então se vejam perambulando pelas ruas da Mapa, ou pelas ruas do Portal, ou pelas ruas da Nova São Carlos, ou pelas ruas da Sapo, ou pelas ruas da Vilinha, ou pelas ruas da Viçosa, ou pelas ruas do Vale, ou pelas ruas da Serra, ou pelas ruas do Mangue, ou pelas ruas da Bonsucesso, enfim, caso isso aconteça, evitem, a todo custo, qualquer contato visual com os moradores. Do contrário, pode ser que eles acabem lhes sorrindo e lhes dando “bom dia”. Eu sei, eu sei: coisa mais ultrapassada essa de sorrir e dar “bom dia” aos outros, mesmo que sejam desconhecidos. Só que por aqui quase tudo é assim mesmo, um tanto ultrapassado. A modernidade até que demonstra algum interesse em vir se esparramar de vez por estas bandas, mas parece ter medo de alguma coisa; vem se achegando bem aos poucos, com excesso de cuidados, como quem entra no rio muito devagarinho, por receio de que a água esteja fria demais. Assim, ainda não deu tempo de o povo daqui perder antigos costumes, como esse do sorriso que se abre sem esforço e do “bom dia” que se deseja, com sinceridade, a quem quer que seja. Uma pesquisa certamente terminaria comprovando o que já é uma suspeita: em relação a outros cantos da cidade, esta região deve possuir altíssima taxa de beijos e abraços por metro quadrado. Démodé, eu sei, mas é assim: as pessoas por aqui ainda conservam acentuada tendência ao carinho e à empatia. E deve ser essa, inclusive, a explicação para o fato de que no Pinheiro todos são “vizinhos”. Sim, porque aqui todos são “vizinhos”. O cara pode morar na Austrália e estar no Pinheiro só de passagem, pode nunca antes ter pisado no Pinheiro, pode nem mesmo falar o nosso idioma; nada disso importa; aqui, as pessoas o chamarão de “vizinho”. Aqui, as pessoas o reconhecerão como um próximo. Aqui, as pessoas não estão muito acostumadas com símbolos de distinção e, portanto, desconhecem meios pelos quais decidir quem é digno e quem não é da sua simpatia, de modo que, na dúvida, acabam sendo simpáticas com todo o mundo. Aqui, todos são “vizinhos”. Sim, sim, por aqui quase tudo é assim mesmo, um tanto ultrapassado. Outro dia, quando fui à casa do poeta e amigo Duan Kissonde, lá no Portal, passei por um bando de crianças brincando de pega-pega, correndo soltas e faceiras pela rua. Dá para acreditar? Isso quando não decidem tomar banho de chuva e […]

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